quarta-feira, outubro 17, 2012

Skyroad Granfondo: a crónica


Nota prévia: no próximo domingo realiza-se a Clássica Pina Bike, que encerra a temporada. O percurso é o seguinte. Hora e local de partida: 8h00, nas bombas de BP de Loures.
Reviver uma grande clássica internacional de ciclismo amador. O ambiente próprio e o aparato de toda a logística que envolve um evento de grande dimensão desta modalidade, o percurso serrano muitíssimo interessante, enquadrado numa beleza paisagística arrebatadora, a elogiável competência dos organizadores (portugueses...), a forte adesão de participantes de diversas paragens - não terá faltado aliciantes à edição de 2012 do SkyRoad Aldeias do Xisto. Eis o que poderá (e deverá) ser o embrião de novas iniciativas deste tipo no nosso país, por que há tento tempo se (des)esperava, e que se deseja se multipliquem nos tempos vindouros. Uma experiência certamente a repetir pela esmagadora maioria dos ciclistas que cumpriram no passado dia 13, na Lousã, as provas de Granfondo e Mediofondo, nas distâncias de 154 km e 95 km, respetivamente. Fui um deles e asseguro, desde já, que tudo farei regressar em 2013!

A «estória» da minha participação, todavia, não é tão rica em experiências – boas e menos boas, e também... más - como é habitual em participações em eventos desta natureza, nos diversos em que estive presente, em Espanha e França, ao longo dos últimos 14 anos. De qualquer modo, o rescaldo do grandfondo é, do ponto de vista pessoal, 100% positivo – um objetivo cumprido sem mácula. Expliquemos, então, a razão deste sabor agridoce.

Boa posição ao arranque, que foi, desde logo, em ritmo animado à cabeça do pelotão de oito centenas de unidades, pautado pelas suas principais figuras. E eram muitas, algumas do primeiro plano nacional, casos de Vítor Gamito e de José Silva (vencedores das duas «modalidades» da prova, mediofondo e grandfondo, respetivamente), mas também David Rosa, atleta olímpico de BTT, entre outros, em que se poderão incluir, sem exagero, os nossos camaradas Renato Hernandez e Rui Torpes, cujos desempenhos na prova justificam esse estatuto.
Primeiros quilómetros logo a subir, pendente suave (4%) mas em andamento longe de ser confortável (a rondar os 25 km/h de média). Não tardou a fazer-se a seleção. À cabeça, cerca de 70 a 80 ciclistas, e eis que a coluna começa a fracionar-se... quase à minha frente! Momento nevrálgico da (minha) prova – digo-o à posteriori, porque naquele momento não o vislumbrava tão determinante -, em que renego ao esforço, que seria por algum tempo elevado, para recolar, quando o meu CPU biológico recomendava que não o fizesse, mas que antes mantivesse um ritmo mais cómodo, num grupo menos «vivo», porque muito havia a percorrer. As sensações eram boas, mas a pulsação estava no limiar anaeróbio. Decisão voluntária, portanto. Arrependimento? Talvez, um pouco, sabendo agora o que viria a suceder no desenrolar da prova. Estavam decorridos pouco mais de 12 km, de uma primeira ascensão que só terminaria aos 40... Falta-me o sentido de competição!

Ultrapassado este momento (que considero) crucial, sigo num grupo restrito, com cerca de uma dezena de unidades, que entre os «conhecidos» incluía apenas o Tiago Martins. Com o elevar da cota do terreno, com o desgaste da subida e do andamento bastante bom que se levava, somavam-se as «vítimas» no meu «grupetto». Então, a minha perceção dos acontecimentos começou a mudar... No último terço, até ao alto da Serra do Açor, quedo-me na interessante roda do Marco Romão, da MoveFree, camarada do Paulo Pais, incansável trabalhador naquela fase, a impor um andamento vivo e a reduzir a um trio o que fora um grupo bem composto (o Tiago era o único a resistir, com tenacidade e o meu constante incentivo).

Depois de atingirmos, por duas vezes, a cota máxima, a quase 1000 metros de altitude – demonstrativo do relevo irregular da primeira subida, descemos (os três) vertiginosamente (velocidade máxima na prova: 83 km/h) para os 600 metros, ao nível do paredão da barragem de Sta. Luzia, a vertente inclina-se abruptamente, em direção ao céu. Um muro! Como ameaçava o road book: 1,6 km a média de 12%! 36x25 requerido! O Tiago fica-se logo nos primeiros metros, deu tudo, tinha de encontrar o seu próprio ritmo. O Marco, ao invés, parecia bem, adiantara-se alguns metros, quando apanhamos o Xico Aniceto, em perda ao não conseguir seguir no grupo mais adiantado em que seguia. Integrámo-lo antes de começarmos a descer novamente, durante 17 km, para Pampilhosa da Serra.
E foi por aí que se a «coisa» mudou totalmente. Depois do Xico ter esclarecido que iria parar no próximo abastecimento (Pampilhosa) e por isso descesse mais relaxadamente, estava longe de esperar que o Marco, pura e simplesmente perdesse também o contacto. Eu não me apercebi, vinha a marcar o ritmo sem forçar/arriscar um milímetro na descida, e só me dei conta da sua falta já à saída da Pampilhosa, após o muro em empedrado com que se inicia a subida seguinte, a única que tem inclinações mais aproximadas às de montanha (7% em 5 km). Quando me apercebo onde parava o meu parceiro, que perspetivava ser o meu (fiel) comparsa para o que restava da jornada, eis que o vejo... distantíssimo! Miséria, penso! Fico sozinho aos 78 km, a meio do percurso!! Procuro alguém para apanhar, vislumbro dois ou três, espaçados na subida. Não tenho grandes esperanças no seu contributo, estariam certamente em perda. Mas eis que reparo num grupo de cerca de 10 a 15 unidades... do outro lado da encosta. Seria complicado alcançá-los. Meço as distâncias: cerca de 2 minutos. Recuperáveis. Sinto-me bem, no melhor momento até então. Carrego nos crenques com violência: faço a subida a 174 de pulso médio, sem quebras. Pondero sobre as consequências. Atiro as reservas às malvas, já me causado esta situação. Atinjo o cume ainda isolado, depois de ter dobrado três ou quatro elementos – pareciam parados...

Na passagem para a pedaleira grande, a corrente salta para fora do prato grande. Fd....-se! Paro. Cerca de 30 segundos perdidos. Uma eternidade naquela altura fundamental. Não desisto. Estou com a «alma» toda. Lanço-me na descida a toda a velocidade. Esta é longa e como sempre neste percurso, irregular, com uma sucessão de topos, nem um metro a direito. Mais do que as subidas é esta característica de sobe e desde do relevo que torna esta prova exigente. E claro, o andamento que adota! Continuo a dobrar alguns ciclistas, todos em andamento muito inferior. Nem 200 metros seguem comigo, e a descer... Faturas pesadas que se pagam por se querer seguir ritmos desadequados. Quem me dera tê-lo arriscado no início, penso. E só depois esperar que a fatura chegasse. Agora estou entregue a mim próprio, nem para trás, nem (muito) para a frente! Deveria ter forçado nos quilómetros iniciais para me integrar no (tal) primeiro grupo, que depois também se selecionou, naturalmente. Talvez tivesse mais probabilidades de estar entre elementos do meu nível, e acima de tudo a desfrutar do mais «fator ciclismo» da prova.
A cada ciclista que encontrava, perguntava: «Vai algum grupo aí mais à frente?» Resposta invariável: «Sim, mas já está longe»; «Sim, mas está a andar bem, desde que a equipa profissional do Tavira o alcançou e começou a puxar». Tinham parado num abastecimento. [Ressalva para uma crítica construtiva: os profissionais, cuja presença se saúda e contribuiu para prestigiar a prova, proporcionando oportunidade única aos amadores partilharem a estrada com os melhores; uma ideia em tudo acertada da organização. Contudo, dispensava-se que eles, os prós, interferissem das incidências da prova, que influenciassem o seu normal desenvolvimento, por exemplo, impondo andamentos nos grupos/pelotões ou perseguindo fugas. A rever em futuras edições]. 
Perante esta última informação, não havia mais nada a fazer, a não ser continuar a aproveitar as boas sensações, a levar-me por elas. À medida que ia apanhando elementos mais adiantados, as respostas começavam a ser mais... azedas. «Sim, sim, mas nunca os vais apanhar, vão a andar nas horas...», desabafou um dos ciclistas de um duo do Mortágua. Ainda alcanço um do Tavira, a subir para... Picha. Nem fez um esforço por me acompanhar.

Só na fase final desta subida, longa mas suave (10 km a 3,5%), começo a demorar mais a alcançar outros elementos. Dois deles, finalmente, agarram a minha roda e descemos, em trio, para Castanheira de Pera. Para a subida final, à Serra da Lousã. Estou ansioso pelas primeiras pendentes, assinaladas, km a km, com a inclinação média de cada um (cortesia da organização, à imagem dos «cols» pirenaicos, e mais uma demonstração de esmero dos responsáveis da UltraSpirit). Durante a primeira metade da subida (total: 13,8 km a 4%) meti o passo, mantendo os dois companheiros na roda. Excesso de confiança: as forças não poderiam durar, em alta, para sempre... A 5 km do alto começo a descarregar, sou forçado a baixar o ímpeto. Os dois não demoram a assumir o comando, revezando-se. Deveria ter promovido esta partilha de esforço desde o início da subida, mas, enfim, insisto: já tinha a minha dose de parcimónia naquele dia.

Do km 4 para 3, sou forçado a ceder, perco alguns metros, que se vão acumulando até ao cume, onde cruzo com duas ciclistas (Celina Carpinteiro e Mónica Magro) em animada cavaqueira. Descontraídas, quase as abalroo. Encontro-me novamente sozinho, agora na interminável descida para a meta. Faço-a sem stress. Desfrutando. Está feito! Ultrapasso, ainda, diversos retardatários do circuito mediofondo e, às tantas, também um dos dois com quem fiz a subida: partira o pedal. Infortúnio, mas felizmente numa altura em que quase já não precisava dele...
Desço bem, depois de tomar mais um gel passaram as más sensações. Chego à meta com o segundo elemento (Bruno da Silva, da Motorreis) à vista. Tempo final: 5h07, à média de 30,2 km/h; desnível acumulado: 2900 metros;  pulso médio 154, máximo: 180. Classificação absoluta: 50º; na categoria (Master): 12º.

O bom é inimigo do ótimo. Poderia ter sido melhor, certamente. Mas foi muitíssimo positivo. Fantásticas sensações, prova superada, objetivo cumprido com distinção. Contudo, mais importante do que ter feito melhor tempo ou ficado mais acima na classificação foram as vivências da prova que foram de menos, as estórias dos pelotões que ficaram por contar. Por isso, um nadinha de depressão «pós-laboral». Para o ano há mais! Ou muito mais!

Nota final para as destacadas presenças, extraordinárias performances e o saudável espírito de camaradagem dos nossos bem conhecidos: Jorge Garção, Paulo Pais, Xico Aniceto, Dario Teixeira, Pedrix, Renato Hernandez, Rui Torpes, Ricardo Gonçalves, Tiago Martins, Hugo Arraiolos, Hugo Silva (Feijão), Jorge Damas, Nuno Garcia, Miguel Marcelino (bem hajas!), Marco «Cancellara» e Jerónimo Cruz. Para o ano seremos mais ainda!

2 comentários:

Pedro Fernandes disse...

Boas Ricardo
Como estás com o astral em cima, vou-te enviar o simulador do teu vencimento para o ano 2013.
Decerto fase ao elevado corte no vencimento que vais ter ainda vais dar mais carga no ano de 2013, ehhhh
Decerto que ainda ficas mais animado … já que é toda a sociedade que vai penar.
Agora é que vamos ver muita malta a andar de bike, ehhh
Há que refletir e falar também de coisas sérias, ehhh
Pratiquem desporto, faz bem à saúde
Pedro Fernandes (Carregado)

Anónimo disse...

Parabéns pelo teu excelente desempenho, eu tive um daqueles dias... ou seja paguei muito cara a faturade crer acompanhar os prós desde inicio,paciência para o ano há muito mais. Excente crónica,estou de acordo contigo na critica aos profissionais dentro deste evento. Uma vez mais Parabéns !
Xico Aniceto.