sábado, julho 15, 2006

Etapa do Tour 2006

A Etapa do Tour 2006 pode resumir-se numa palavra: inesquecível. Ambiente digno da Volta à França, paisagens de cortar a respiração no coração dos Alpes, mais de 7500 cicloturistas no mesmo percurso dos profissionais, montanhas míticas. Mas também muito suor, sofrimento e a sensação de conquistar o céu ou o mais sublime dos desafios: a superação individual. A verdadeira essência do ciclismo, está claro! Eis a crónica:
O dia 10 de Julho amanheceu fresco, com céu limpo e a soprar vento moderado que deixava antever mais dificuldades que o que o percurso impunha: a conquista homérica do Col d’Izoard (categoria especial), Col du Lautaret (2ª cat.) e do ainda mais célebre Alpe d’Huez (cat. especial), numa etapa de 191,1 km.
Depois do pequeno-almoço reforçado, deixámos a base – num parque de campismo dos arredores da cidade de Gap –, a toda a velocidade, descendo os primeiros três quilómetros do Col de Bayard, sobranceiro à cidade. Gap ergue-se num vale lindíssimo, entre imponentes montanhas da cordilheira alpina.
Eu, o Nuno e o Jerónimo chegámos à zona de partida sem ponta de stress: afinal restava-nos aguardar que muitos mais de 7000 partissem antes de darmos as primeiras pedaladas. Atrás de nós, provavelmente não estariam 100…
Às 7h30 em ponto deu-se o «tiro» de partida mas só mais de 20 minutos depois cruzámos a linha, percorrendo mais de meio quilómetro a empurrar a bicicleta ao pé-coxinho – situação que já é habitual, dado o número elevado do nosso dorsal.
De qualquer modo, ao contrário de outras edições, não houve grandes engarrafamentos nos primeiros quilómetros, graças à boa largura da estrada e à planura do relevo, que permitiu desde logo rolar a boa velocidade. Assim durante os primeiros 55 km passaram mais depressa do que eu esperava – e temia, pois é sempre uma fase delicada em que gasta muitas energias a saltar de grupo em grupo. Alguns topos fizeram-se no abrigo de grandes pelotões que sempre se formam.
Na véspera, em jeito de brincadeira, dissera aos meus companheiros que queria que chegássemos ao sopé do Izoard com 40 km/h de média. Não foi mau: 34 km/h. Isto a «olhómetro», porque o meu conta-quilómetros não funcionava desde a partida. Pelo menos, não foi o pulsómetro, como nos Lagos! Mas rapidamente fiquei a saber o motivo do problema e a forma simples de o resolver, quando, no primeiro abastecimento, antes de iniciar a longa subida do Izoard, ficámos retidos devido a um aglomerado – lapso pouco comum na (quase sempre) irrepreensível organização da prova. Então ao inspeccionar o sensor e a roda reparei que, na véspera, os mecânicos da Mavic (imagine-se!) tinham instalado a chaveta ao contrário (o cubo da roda tinha os rolamentos gripados e tiveram de ser trocados). Assim, quando montei a roda antes da partida, obviamente o imãn ficou… do avesso. Logo... off!
Voltámos a pedalar mais de 7 minutos depois da paragem forçada, já com o aparato tecnológico em pleno funcionamento, mas com a «Etapa de Ouro» (que se atribuía, no meu escalão de idade, a quem fizesse menos de 7h00 de prova) definitivamente hipotecada. O objectivo não era fácil de alcançar e confesso que nunca acreditei atingi-lo, mas, no final, mesmo tendo ficado a mais de 25 minutos, senti que estive mais perto que nunca de o alcançar. As razões para este meu vaticínio surgiram, principalmente, a partir do momento da prova que descreverei a seguir: a montanha.
Chegava o mítico Col d’Izoard é fantástico. Longo e extremamente selectivo. Começa a subir gradualmente por entre uma estrada que atravessa uma estreita garganta rasgada por um rio tumultuoso e que culmina num cruzamento à esquerda, onde se empinam as primeiras rampas verdadeiramente duras: eis a subida propriamente dita (14,5 km a 7%).



Desde logo, pedaleira pequena e o ritmo adequado. Confirmaram-se as boas sensações que trazia desde a partida: pernas leves, cadência elevada e facilidade em seguir as melhores rodas – como a de um sul-africano que serviu de lebre até à esfusiante aldeia de Arvieux, tipicamente alpina, onde a inclinação oscila entre 9 e 10%. Aqui o Nuno cedeu. O Jerónimo já o tinha feito – atempadamente e bem – pouco depois do cruzamento de entrada na subida. Creio que o Nuno insistiu e acabou por pagar demasiado caro o esforço. A partir daqui, ainda a meio caminho do Col d’Izoard, fiquei «sozinho» entre milhares, mas com a encorajadora sensação que as forças tão cedo não me abandonariam.



A parte mais difícil da subida passou-se bem e o melhor estava reservado para a parte final: após 11 km de ascensão entra-se um cenário arrebatador, do tipo lunar, chamado Casse Déserte. De um lado, escarpas e picos gelados; do outro, aridez rochosa, num contraste quase indescritível. As lápides de Coppi e Bobet (à esquerda) fazem-nos entrar na lenda do Tour.
Faltam, então, apenas 2 km de uma estrada que não pára de serpentear até ao cume da montanha. Lá em cima, a 2360 m de altitude, uma das fotógrafas oficiais da prova agradece o meu «danceuse» (levantar estiloso do selim) especialmente para o boneco. A emoção do momento deu para tudo!



A primeira contagem de montanha de categoria especial estava ultrapassada (fiz uma média de 13 km/h em 14,5 km). Seguiu-se uma longa e sinuosa descida, rápida e perigosa. Logo nas primeiras curvas, uma queda aparatosa deixou alguém aparentemente maltratado. A partir daí, tive ainda mais prudência na abordagem das curvas, mas as rectas o velocímetro ascendia a 70 km/h.
Já cansado de tanto… descer, quase em Briançon avisto a encorajadora placa, já habitual nesta prova: «Só faltam 100 km!», a que se seguiu, 10 km adiante, outra do mesmo género, mas, digamos, com outra filosofia: «Você já percorreu 100 km». Estava dado o mote para a segunda metade da prova.
Quando terminei a descida, apercebo-me de como a temperatura estava alta. Mau augúrio. No abastecimento de Briançon faço a paragem programada. Bebo de seguida quase meio litro de água fresca, reencho os bidões e meto mais duas garrafas debaixo da camisola. Volto a partir nem três minutos depois.



Chegara a vez de atacar a segunda grande dificuldade da jornada: o Col du Lautaret (12 km a 4,4%, portanto mais acessível que o Izoard). Ainda no interior de Briançon, quando penso que a aproximação à subida vai ser doce, deparo-me com uma rampa de cerca de 500 metros a mais de 10%! Meti a «calçadeira» (36x25) e ia por ali acima quando passa por mim o «campeão da Alemanha» com a «talega» metida e a sprintar como se não houvesse amanhã. Bem, será de «outro campeonato», pensei. No entanto, o ímpeto passou-lhe depressa e ainda antes do final da rampa agarrei-lhe a roda. Por sinal, uma excelente roda, que chupei durante os longos falsos planos ascendentes do início do Lautaret, feitos quase sempre acima dos 35 km/h, a «queimar» pequenos grupos e alguns ciclistas desastradamente isolados ao vento frontal.
Mas o alemão não era muito prestável a boleias e, por duas ou três ocasiões, tentou-me sacudir quando fazíamos transição entre grupos. Como não teve êxito (apesar de algumas vezes eu ter deixado abrir alguns metros para não ir ao choque), finalmente habituou-se à minha companhia parasita. Mas eu estava disposto a retribuir a gentileza. Mais tarde, por certo. Então iria conhecer a verdadeira fibra dos Pina Bike. E assim que chegaram as maiores inclinações, assumi o comando. Durante os últimos 9 km da subida fiz as despesas, rebocando não só o alemão, como um verdadeiro comboio. Com quase 140 km percorridos, as pernas pareciam mais leves que nunca e a consequência foi a perda gradual da composição, inclusive o germânico, que se ficou algures nos últimos 5 km da subida. A aproximação ao topo do Lautaret também é espantosa… e falsamente aterradora. Os últimos 1,5 km perfazem numa longa curva, que circunda a montanha, avistando-se, sobre o lado direito, uma subida ainda mais íngreme. Às tantas, receie que o nosso caminho fosse por ali, mas rapidamente constatei que não: é o Galibier, esse velho conhecido! Um dia havemos de ajustar contas antigas…
Desde Briançon até ao Col du Lautaret (28 km) fiz 22,5 km de média e 146 bpm de pulsação. Muito positivo!
A descida do Lautaret é longíssima e tem… subidas! Nesta altura deu perfeitamente para perceber como iam justas as forças no grupo que entretanto se formou. Quando surgiam os topos mais longos – o mais picante, após o lago artificial da barragem do Chambon e o cruzamento para a subida dos Deux Alpes (outra espinha atravessada desde a Etapa de Tour de 1998) – o grupo fraccionava-se e acabou mesmo por perder a maioria dos elementos na montanha-russa que nos leva a Bourg d’Oisans, a localidade que fica no sopé do mítico Alpe d’Huez, e onde, aliás, se desfez como por magia…



Aqui: 176 km cumpridos e 6h11m de selim. Cruzamento à direita para sair da estrada nacional, pequena recta e curva à esquerda e eis a arrepiante primeira rampa do Alpe d’Huez. Nos primeiros 2 km, nas ligações entre as célebres curvas em cotovelo (21 ao todo), a inclinação é de 12%! Mas pior que a dureza do relevo foi o calor que fazia àquela hora – um autêntico braseiro a 35 graus. E ainda pior foram as dores que sentia no pé esquerdo, devido ao sapato, que já me tinha deixado os dedos dormentes – ainda estou para saber por que motivo. Foi pena, pois sentia-me bem, com força para gastar «à bruta» montanha acima. Enquanto que ia lutando contra a sede, a dor e as fortes percentagens, a única panaceia era a aproximação à meta. Valeu-me a solidariedade de muitos espectadores à beira da estrada, dando a beber água fresca das inúmeras fontes ao longo da subida. Mas não só. Também houve benditos que se deram ao trabalho louvável de instalar chuveiros. Apeteceu-me ficar já ali.



A certa altura, mesmo com os miolos quase fritos, assolou-me a seguinte ideia, uma espécie de lema desta prova: «Não há Etapa do Tour sem sofrimento ou provação». E esta estava em falta. Tudo tinha corrido demasiado bem até então, por isso o calor e as dores tinham chegado a tempo de crivar o Alpe d’Huez na memória desta participação.
De qualquer modo, a cerca de 4 km a vontade de chegar rapidamente ao alto superou o sacrifício, e a iminência da entrada na famosa estância de ski quase dissipou as dores e o cansaço. A partir daí, a inclinação baixa e já nos arruamentos, entre as casas alpinas, prescindo da pedaleira grande para elevar desmesuradamente a rotação dos pedais – recordando Lance Armstrong. Nos últimos 500 metros, já com um sorriso nos lábios, às tantas fico lado-a-lado com outro ciclista, cujo dorsal era muito próximo do meu (6000 e tal). Depois de balbuciar qualquer coisa num francês imperceptível, decide forçar o andamento. O que quereria? Talvez não perder um lugar para um potencial concorrente directo? Embora soubesse (ao contrário dele) que apesar do meu número (6290), tinha partido da barreira dos 7000 – logo estava com uma vantagem que não se anularia ao sprint –, não quis perder a oportunidade de terminar em grande estilo e fiz-me à recta final com tal violência que devo tê-lo surpreendido. Com a embalagem ainda passei mais dois até à meta. Missão cumprida!


Ainda mal refeito, inicio a sempre demorada mas saborosa degustação de toda a epopeia. Entretanto, detêm-me por uns instantes para me retirar o chip do tornozelo e meter à pressa uma medalha no bolso. Depois, com um pouco amigável empurrão ajudam-me a sair dali… rapidamente.
Assim que franqueio o arco insuflável, assolam-se-me as prioridades: ingerir líquidos em grande quantidade… e depois comer, comer! Só penso que o saquinho de mantimentos que nos oferecem à saída desta vez não vai chegar. Vejo milhares de garrafas de plástico empilhadas em paletes atrás de uma vedação metálica. Penso: vou saltar, não quero saber. E a bicicleta, onde guardar? E o pé a rebentar dentro do sapato. Descalço-me, prendo os sapatos aos pedais, meto a bicicleta, capacete e tudo, no parque fechado (estilo super-bengaleiro) e corro para a fila do saquinho com o «voucher» em riste. Não tive de esperar muito, mas quando desfaço o nó de plástico a visão é aterradora: uma garrafinha de água de 33 cl e outra de 0,5 l, com gás. Engulo a primeira quase sem tirar a tampa e preparo-me para a beber a gaseificada já convencido que ao primeiro golo vomitaria… Felizmente, não. E deu para tirar o depósito da reserva.
Agora, comodamente deitado no chão da tenda-restaurante, a salvo da canícula que se fazia sentir no exterior, devoro a banana e o pacote de batatas fritas tamanho XS. Ficaram a barra energética e o bolo de mel… arrrggg!!! Iguarias prescindíveis, pois a minha salvação estava ao fundo do balcão: um prato de macarrão com molho de tomate e mozzarela. Corri para o apanhar e ainda tive a desditosa lata de pedir reforço. Manjar abençoado, que degluti calmamente na soalheira tribuna principal.
Nos mais de 15 minutos que lá estive a encher-me de massa não vi passar nenhum dos meus dois companheiros. Ocorreu-me que o Nuno deveria ter perdido bastante tempo ao ter ficado para trás tão cedo. E que o Jerónimo, por ter feito o mesmo ainda antes, também estivesse para concluir a prova.
Sobre este, não me enganei por muito, já que depois de ter abandonado o meu posto na bancada e subo em direcção à zona de chegada, encontro-o ainda a refazer-se do esforço, mas já na companhia da mulher e de boa saúde. Mesmo assim, reconheceu imediatamente que nunca antes tinha sofrido tanto.
Todavia, fiquei surpreendido quando a Lena me diz que o Nuno ainda não tinha chegado e que só poderia estar a passar mal. Eu não precisava de mais para saber que a sua preocupação tinha fundamento. Já passara quase uma hora desde que cheguei e um atraso tão grande só poderia justificar-se por estar em grandes dificuldades. Ainda se teve de aguardar cerca de um quarto de hora para confirmá-lo. Chegou quase irreconhecível. De tal modo, que a sua cara quase desaparecia debaixo do capacete. O rosto esbranquiçado, encovado, marcado pelo sofrimento. As suas primeiras palavras resumem tudo: «Não devia ter-me metido nisto!» Duro ensinamento, sábias palavras: a Etapa do Tour é a mais bela do Mundo mas também é terrivelmente impiedosa para os incautos. Eu que o diga, que já fui sua vítima. Mais do que uma vez! Por isso, estou a aprender a vencê-la…

segunda-feira, julho 03, 2006

Fica para a próxima!

Chamboeira: o Durão acelera, destaca-se do pelotão, levando na roda Pina, Fantasma e Salvador. O grupo principal mantém-se na expectativa. O Carlos passa para a cabeça para avivar o ritmo, mas nessa altura já era necessária uma aceleração mais vigorosa. Recomendava-se, pois, uma perseguição organizada – sob pena se cair em desgarrada.
O andamento imposto pelo Durão entre os fugitivos permitiu-lhes ganhar rapidamente vantagem significativa… e a aumentar à vista desarmada. O Salvador não resistiu e deixou-se descair, sendo reabsorvido pelo pelotão. Bem fez!
À passagem pelo alto da Freixeira (Venda), os escapados passaram a ser cinco com a entrada do ZT e do Abel (que aí esperavam pelo grupo). Atrás, sete perseguidores: Ricardo, Carlos, João, Samuel, Salvador, Pintainho e o amigo do Pedro. O Salvador vacila após a subida do Vale de S. Gião, obrigando a refrear o andamento. Nada de preocupante. O João ajuda-o e a recolagem é consumada na Malveira. Os fugitivos há muito que tinham saído da vista do pelotão.
Na descida para Vila Franca do Rosário, o João e o Salvador estiraram bem o grupo e mesmo a mais de 60 km/h começou a afinar-se a perseguição. Foi o que se viu no topo de Vale da Guarda. A partir de Barras, toda a gente já passava pela frente. Cerca de 20 segundos a cada um para não «queimar» e sem esticões. Aliás, ninguém estava autorizado a forçar o andamento. O importante, nesta altura – mesmo sem controlo visual dos fugitivos –, era manter a distância, que à velocidade que se rodava atrás dificilmente poderia aumentar – a não ser que se estivessem a «esturricar». Neste caso, pior para eles!
Foi muito bem respeitado o pedido de prudência nos topos do Turcifal, porque se aproximava a subida do Carvalhal para Catefica, onde era necessário jogar os «trunfos», sem, no entanto, sem arriscar colocar em cheque a harmonia do pelotão. Subiu-se muito bem e se era necessário mais alguma prova que o grupo perseguidor estava coeso, ela dada. Para minha surpresa, avistámos os fugitivos praticamente a passar pelo alto (Catefica). De facto, não previa tão rápida recuperação. Teriam de ter «parado»! Ainda mais surpreendente: o Durão estava ligeiramente adiantado e levada na roda o… Abel. ZT, Pina e Fantasma tinham cedido! Por isso, aliviámos imediatamente o andamento. As «presas» estavam controladas.
Mas eis que soou o alarme no pelotão: o Samuel desaparecera sem deixar rasto… Eu e o João aguardámos… aguardámos… e nada! Não poderia ter perdido tanto tempo. Voltou para trás?!
Novamente no seio do pelotão e já no início da subida de Sarge apanhámos o trio intermédio (Pina, ZT e Fantasma), com o Durão e o Abel cerca de 300 metros adiante. Estava a ver-se que chegara a hora do primeiro lançar a derradeira cartada se ainda alimentasse esperanças de chegar ao alto da Ereira isolado. O Abel foi absorvido e fomos da peugada do fugitivo – que definitivamente tinha acelerado e bem. Ou seja, atrás também não se podia facilitar. Por isso, forcei o andamento na subida e o João e Salvador continuaram o bom trabalho na descida para Ermegeira. As hipóteses do Durão diminuiam. Mais: pelotão mantinha-se agrupado – à excepção do Fantasma, que ficara ligeiramente para trás.
Chegámos à subida da Ereira: dura, com 3,2 km, uma média de 7%, longas rampas a 9% e passagens a 11%. O Freitas entrou destacado, cerca de 300 metros. Ainda era qualquer coisa. Atrás, após alguma controvérsia sobre o paradeiro do Fantasma (que reteve o andamento durante as primeiras centenas de metros), o Pintainho «meteu» o passo, levando na sua roda o Carlos. Quase todos procuraram fazer o mesmo. À entrada do tal km a 9%, passei para a frente. Às tantas, ouço lá atrás alguém gritar: «O Capitão vem aí, podes ir!» E fui (mas já ia!), abrindo rapidamente para o Pintainho e o Carlos. O ZT e o João vinham também lá. O Freitas levava ainda 150 metros vantagem, mas como estava nitidamente em perda e a distância esfumou-se num ápice. A 200 metros do final da parte dura cheguei à sua roda e passei ao ataque. À primeira sacudidela respondeu bem, mas após o ligeiro descanso (6%), junto às bombas, perante nova aceleração forte na rampa de 10%, que inicia os 600 metros finais da subida, cedeu clamorosamente.
O Carlos, Pintainho, ZT, João e os restantes não demoraram muito tempo a chegar ao cume – somente o Fantasma necessitou de algum ânimo suplementar. E o Pintainho não perdeu tempo a servir-lhe o prato frio da vingança.
A partir daqui, a volta seguiu em «paz», mesmo com o Salvador fugido, pairando no ar a sensação, quase generalizada, do dever cumprido. Os últimos metros do Alqueidão ainda deram para voltar a ligar (e bem) as turbinas, mas até aí os bravos do dia estiveram em grande, descendo-se para Bucelas a bom ritmo – e com quase toda a gente junta.

Notas de observador:

1. A frase começa a estar batida, mas ontem voltou a «fazer-se ciclismo». O grau de exigência aumentou consideravelmente em relação ao domingo transacto, e a volta não era mais «doce». Todavia, o nível do grupo permite esses excessos. Uma fuga duradoura e um pelotão a perseguir. Toda a gente correspondeu a preceito. Lá à frente, os fugitivos fizeram um trabalho muito bom, destacando-se rapidamente – e isso exige um esforço adicional, cuja factura não se pode deixar de pagar mais tarde. Atrás, os perseguidores (e eu posso testemunhar) estiveram irrepreensíveis. Para eles, em especial, os meus parabéns. Passaram-se momentos de forte empenho e o resultado final (a anulação da fuga) foi recompensador. Se me permitem o pretensiosismo: se eu fosse o chefe-de-fila daquela equipa, asseguro que esta não poderia ter feito melhor trabalho para me deixar com possibilidades de discutir a «vitória» na Ereira. Para a próxima, prometo retribuir.

2. Também os fugitivos estiveram muitíssimo bem, embora tenham, porventura, exagerado no esforço para manter (ou então, aumentar a diferença) durante muitos quilómetros. A missão não era fácil e até começou da melhor maneira para o grupo de 3 e depois 5 elementos, abrindo rapidamente um fosso para o pelotão e saindo da vista deste também (o que é uma vantagem muito importante), desencorajando assim a anulação rápida da fuga. O grupo era forte mas não terá feito a gestão de esforço ideal, que era exigível para fazer vingar a escapada. Repito: não era fácil! Todavia, o Durão esteve quase a atingir os seus objectivos e o ZT fez uma excelente subida da Ereira, repetindo as boas indicações dadas há uma semana em S. Tiago dos Velhos.

3. Por falar em boa indicações, não se pode deixar de referir (e repetir) a excelente forma do João. O seu trabalho no pelotão perseguidor foi fundamental, não apenas pelo trabalho, mas também na ajuda à coordenação. E depois ainda teve forças para corresponder com galhardia à dureza da Ereira e mais tarde no Forte de Alqueidão, onde, pelos visto, teve um desempenho que impressionou o Pina. Rendido ao desempenho do João no final da subida, em resposta à minha aceleração e do Freitas, o Relojoeiro (que seguiu a sua roda) não lhe poupou elogios.

4. Mas o João não foi o único em elevadíssimo plano. Para ser realmente justo, todos os que participaram nesta volta mereciam referência. Mas perdoem-me a parcialidade em relação ao pelotão perseguidor: o Carlos esteve ao seu melhor nível: com o coração a 190 no final da Ereira disse que chegou a ver estrelinhas. E o Pintainho irrepreensível, ajudando o grupo e muito bem na Ereira, provando desta vez os seus créditos de trepador. Mas também o Salvador e o Amigo do Pedro: abnegados! E o Samuel… enquanto não se eclipsou algures entre o Carvalhal e Catefica! A sério: espero que não tenha passado mal.

5. Já agora, para eventuais interessados, a minha pulsação média na subida da Ereira foi de 172 bpm, sendo no início baixa (155) e nos últimos dois quilómetros sempre acima das 180, com «pico» às 189. Outro facto relevante: entre a Malveira e o Carvalhal o grupo perseguidor fez a excelente média de 36 km/h.

6. A terminar: segue-se a Etapa do Tour (próxima segunda-feira, dia 10). O trabalho de casa está feito: 10.500 km na temporada (mais de 9000 km desde 1 Janeiro) e as baterias afinadas para conquistar o Izoard, o Lautaret e o Alpe d’Huez. Na fantástica companhia do Miguel e do Nuno, vamos ser três entre 8500 à partida de Gap, para 190 km que prometem ser inesquecíveis.