Já se esperava. E confirmou-se! Todos os indicadores
deste início de temporada deixavam antever grande participação e elevado nível
na primeira Clássica do ano, Santarém, mas a presença de mais 100 ciclistas à
partida de Loures e a média final de 37,5 km/h, a demonstrar o gabarito de uma
elite entre a maioria em muito boa forma, superam todas as expectativas.
Após esta auspiciosa «reentré» e com a rainha das
Clássicas, Évora, a pouco mais de uma semana, a fórmula deste tipo de eventos
de ciclismo puramente amador, prova aberta e com andamento livre, atingiu
patamar evolutivo máximo nos atuais moldes (sem estrutura organizativa), ou
melhor, o ponto de não retorno... Um pelotão de mais de uma centena, durante
150 km em ritmo de competição, a ocupar a faixa de rodagem, cruzando localidades e rotundas a alta
velocidade, não será esticar demasiado os limites da segurança, da legalidade?
Tudo correu bem, muitíssimo bem, a repetir, muitas vezes, mas até quando? Até
este ponto poderá chegar a organização da carolice, da camaradagem, do «passa a
palavra», do blog... Mas daqui para frente, a manter-se ou reforçar-se esta
adesão, só resta entrar na «norma», legalizar-nos. Para o bem de todos. Mas à
custa de quantos sacrifícios, de que disponibilidade e voluntarismo? E de
quem?
Sobre esse pertinente assunto debateremos em futura
ocasião. Passemos à ação!
A média horária fala por si. Mas, desde já, o seu a seu
dono. Ou o facto de ser indispensável esclarecer sobre a existência de
responsáveis desta proeza, pois contam-se pelos dedos de uma mão. E não
precisam de ser todos! Quem é dos poucos, que participam habitualmente nas
nossas andanças domingueiras, capaz de puxar, de início a fim (ou quase), um
pelotão a uma velocidade de cruzeiro elevadíssima, a roçar os 40 km/h? O Renato
Hernandez, está claro! O trem do Infantado voltou a exibir-se ao seu estilo, mas
desta vez contou com a parceria do Rui Torpes e durante largos períodos,
principalmente na primeira metade do percurso, da assídua colaboração do
Ricardo Gonçalves. Eu próprio (e apenas nesta fase do trajeto) dei uma ajudinha
– até um raio me trair... As cores do Pina Bike a reluzirem, portanto!
As incidências da «ida» resumem-se em poucas palavras: até
Vialonga, o pelotão aqueceu moderadamente (aplaude-se!), mas quando aquele trio
decidiu render-me à cabeça, a velocidade fixou-se muito perto dos 40 km/h e
assim se manteve, sem especiais sobressaltos, até ao início da subida para
Santarém (Portas do Sol). Média 37,2 km/h.
A exceção foi a reta do Cabo... Não sei se há solidários
com a minha angústia, mas, para mim, foi (é quase sempre que lá passamos) a
parte mais difícil desta Clássica. O vento lateral, o andamento forte e
inconstante, a estreia faixa bem asfaltada, o trânsito rasante, a reta
interminável, um suplício. Felizmente a ponte de Vila Franca não foi «atacada»,
nem houve esticões! Após isto, rolou-se com tranquilidade. Com um extenso
pelotão a não desarmar. Afinal, o terreno era favorável. Até que chegou
Almeirim (Tapada) e a subida, o primeiro ponto seletivo da jornada!
Previsível seria que a toada de grande nível não
esmorecesse com a inclinação. E confirmou-se. Só que os protagonistas mudaram.
O Freitas assomou-se à dianteira e meteu um passo rijo (mais de 30 km/h) nas
primeiras centenas de metros, deixando o grupo estirado antes de deixar a
frente exposta ao ataque dos jovens (dos putos, literalmente!). André, Tiago
(Cartaxo) e outro elemento, do GES BES (que já tinha participado e dado cartas
na Clássica Pina Bike, em 2011), destacaram-se alguns metros, após uma mudança
brusca de ritmo, mas não foram mais longe do que isso, com o Hernandez a
controlar as distâncias à frente de um grupo. O pelotão, sem surpresas,
fragmentou-se, mas quando seria de esperar que ficasse irremediavelmente
reduzido à sua parte mais «forte», voltou rapidamente a reagrupar-se e em
número muito superior ao que seria expectável – ainda com mais de metade dos
seus elementos.
Bom, para mim, ao chegar na roda do Renato, nos
calcanhares do trio da frente, poderá dizer-se que a subida até correu bem.
Isto, considerando que se pode ir bem durante 3m30s (1,8 km, a 6%) a 176
pulsações - 30 km/h de média! O pior foi ter saído... meio torcido. Talvez por
quebra de glicemia (pouco provável, pois tomei um gel algum tempo antes) ou
outra razão qualquer, a verdade é que nos quilómetros que se seguiram as
sensações não foram nada positivas – uma espécie de entorpecimento, de
mal-estar... que felizmente não teve maiores consequências por ausência de
mudanças bruscas de ritmo em todo o trajeto de regresso, mesmo com o Vale de
Santarém bem «lançado», mas já sem o frenesim das Portas do Sol, sob o comando,
incontestado, da dupla Hernandez/Torpes. Esta liderou a seu bel prazer o
percurso de «vinda», cumprindo uma média de 40 km/h «redondos» até Loures.
Todavia, seria pedir demais que a referida dupla – sem dúvida,
dos principais protagonistas desta Clássica – não se mantivesse incólume nos
quilómetros finais, a partir de Alverca, os últimos 15, onde a sua liderança foi
fortemente colocada à prova, e até quebrada, no caso do Renato. Naturalmente, por
força da fadiga...
A contestação começou na subida da Sagres (Vialonga),
ainda com a referida dupla, imperturbável, a impor o andamento perante o
posicionamento das «trutas» entre os lugares cimeiros. Começaram-se a marcar
rodas. Como nada se passou até ao topo, a descida em falso plano descendente da
Variante foi invulgarmente tranquila (sem hostilidades, entenda-se). O meu
coração chegou a bater a 120 por minuto a... 50 km/h. Acalmia de pouca dura –
chegava à rampa do Tojal, habitualmente ponto de decisão ou, no mínimo, de
separação definitiva das águas. E foi mais esticada que nunca! Desde a base, um
grupo ainda com umas 20 unidades lançou-se, como gato a bofe, pela curta mas acentuada
pendente. Só por instantes se baixou dos 30 e tal à hora. Um ataque mais forte
do Hugo Feijão (Negrais) estilhaçou tudo... Eu, mal posicionado, pensei que
chegara ao fim a minha permanência entre os primeiros, mas mantendo a cadência
acabei por beneficiar da quebra dos demais para reentrar no grupo perseguidor ao
fugaz fugitivo (agora não mais de 10 elementos) na roda do Filipe Arraiolos
(momento de boa forma comprovada). Anulada a fuga, «picou-se» então a toda a
velocidade para a segunda rotunda do Tojal, com o Freitas a tentar surpreender,
antecipando a subida final, de São Roque. O grupo estirou-se, não lhe
permitindo liberdade.
Então, deparava-se a rampa final. E um ataque muito forte
do Jony parecia ser «matador», à semelhança do que sucedera o ano passado
quando um ciclista do Cartaxo jogou a cartada irresistível naquele mesmo local,
e da mesma forma. Mas depois da descida, a escassos 200 metros do final, o
mecânico estranhamente aliviou! Só o esgotamento justificaria tão abrupta
quebra. O momento em que alcançado por um grupo muito restrito coincidiu com o
arranque final, em sprint, do André para o topo do Infantado (rotunda), a que
apenas o Rui Torpes (que pilhas!) e o Capela conseguiram responder, sem, no
entanto, «fecharem» o espaço de alguns metros. Além destes três, e de mim
próprio, após São Roque mantinham-se à frente (passe eventuais lapsos incapacidade
no reconhecimento), o Cunha, o António (Rodinhas), o Dario, o Chico Aniceto,
Vítor Mata a Velha, o Feijão, o Filipe Arraiolos, o Jorge, estes a chegarem de
trás.
No final de 152 km em 4h04m, com o coração ainda a 1000
por hora e a adrenalina nos píncaros, uma única palavra encontrei para classificar
o empenho de todos os que, mais depressa ou mais devagar, concluíram esta
primeira Clássica de 2012: Insuperável!