A Clássica de Santa Cruz – 2010 foi uma interessante jornada de ciclismo, a que apenas faltou mais participação. Foram poucos mas bons (como alguém referiu nos primeiros quilómetros do percurso) em número não superior a onze, mas mais que suficiente para que, com classe e empenho, assegurassem o emprego de todos os condimentos indispensáveis ao bom sabor das clássicas. Foi como o treinador de futebol Quinito dizia, uma manhã «entretida».
Por este motivo, é de todo merecedor a sua apresentação: eu e Freitas (Pina Bike), Jorge (de Alverca), Carlos Gomes, Gil, Vítor Pirilo, André, Paulo Pais, Rocha, Chico e Manso (Ciclismo2640).
Esses temperos começaram a ser adicionados desde a partida de Loures. O andamento não demorou a levantar fervura e a partir do Tojal, sob a liderança do Freitas e do Jorge. Até Bucelas, a média aproximou-se dos 30 km/h e a entrada na longa subida para o Forte de Alqueidão não abrandou o lume. O Jorge assumiu definitivamente a contenda e monopolizou a condução do grupo a bom ritmo e sem dar mostras de pretender colaboração que não fosse à altura do seu desempenho.
Estranhou-se, no seio do mini-pelotão, a abnegação do alverquense numa fase tão madrugadora da tirada, expondo-se a desgaste importante num percurso longo e difícil. Mas pode encontrar-se (e encontra-se...) explicação no excelente momento de forma que o franzino trepador atravessa. O pelotão chegou compacto mas não descansado ao alto do Alqueidão (média de 26 km/h) e «picou» rapidamente para as descidas seguintes: Seramena e Sobral para Dois Portos.
Na transição, um trio ganhou algum avanço: Freitas, Rocha e Chico. Atrás, não se fez impasse, e na velocíssima perseguição houve quem arriscasse demasiado: o Vítor Pirilo esteve perto de uma queda que, segundo o próprio e testemunhas oculares (Gil), poderia ter tido consequências gravosas. Aliás, o protagonista demorou algum tempo a recompor-se do susto e o pelotão, solidário, temporizou à saída de Dois Portos, aguardando pela sua chegada.
A ligação a Torres decorreu sem mais incidentes e ao ritmo mais tranquilo (ainda assim, devido às descidas, a 36,3 km/h) desde o arranque de Loures. Foi esse aparente relaxe que o Freitas aproveitou para se isolar na rampa para rotunda da A8, na aproximação à cidade. Saiu com alguma discrição e total permissividade do pelotão, que já era controlado pelos homens da Ciclismo2640. No entanto, a todos deverá ter surpreendido a facilidade com que «o» Pina Bike ganhou avanço. De tal modo, que à saída de Torres, a caminho de A-dos-Cunhados, começaram a gerar-se dúvidas, na equipa de Mafra, sobre se o fugitivo estaria na rota certa. A confirmação veio pouco depois, na fase final da subida para a estrada para a Lourinhã, quando a tentativa de «caçada» já estava em marcha. O ritmo a que a decorria a perseguição movida pela formação 2640, com breves colaborações do André e do Carlos Gomes, e a aparente falta de contacto com o fugitivo, fazia prova cabal do andamento e do empenho deste. A tal ponto, que entre A-dos-Cunhados e Vimeiro voltaram as dúvidas sobre eventual erro de percurso do escapado. Vide a média entre Torres e o Vimeiro: 37,5 km/h!
Neste ponto, devido ao desgaste que começava ser provocar aos perseguidores, a corajosa iniciativa do Freitas já estava coroada de êxito. E forçou mesmo a equipa de Mafra a expor o seu «joker»: Paulo Pais, que teve de participar no esforço colectivo. O co-equipier de serviço foi quase sempre o Manso «Cancellara», exemplo de disponibilidade e espírito de equipa.
Finalmente, na passagem pela Praia de Sta. Rita, o fugitivo da Pina Bike estava em linha de mira e com naturalidade a perder algum fulgor. Mas também os líderes do pelotão... estavam! E o principal contributo para a precipitação do final da fuga veio do Carlos Gomes, que comandou o grupo, face ao vento, nas longas rectas onduladas junto à costa e depois na variante de Santa Cruz, para que na Silveira (mas só aí!...) se consumasse a longa e difícil perseguição. Muito mais longa e difícil do que a concorrência previa.
No entanto, a intervenção do Freitas não se ficou por aí. Bastaram alguns quilómetros para voltar meter-se noutra aventura, correspondendo ao ataque do Rocha em Casalinhos de Alfaiate. Eu próprio fiquei surpreendido... mas ainda mais agradecido!
Os dois ganharam rapidamente avanço, com o pelotão, uma vez mais, na expectativa. Só que, agora, o terreno mudava definitivamente de figurino: entravam as subidas, e estavam para ficar.
O duo manteve-se sempre à vista e deu para assistir à cedência precoce do Rocha ao passo mais forte do Freitas em S. Pedro da Cadeira. Surpreendeu a escassa resistência face a um parceiro desgastado por longo esforço em solitário. Mas este continuou a sua (segunda) cavalgada, passando, inclusive, destacado a subida da Encarnação, face a um pelotão comandado pelo incansável «Cancellara» e a, agora, a espaços pelo Jorge, que regressava às lides após interregno desde o Alqueidão.
Nas primeiras rampas da Picanceira, finalmente (!!!) o empenho do Manso resultava na segunda absorção do mesmo fugitivo. Só que o cariz da toada estava prestes a alterar-se e não havia tempo para contar cartuchos. O terreno era de selecção e urgia fazê-la o quanto antes, dando seguimento ao extraordinário trabalho do Freitas. Por isso, logo que se estabeleceu a hierarquia da montanha nos primeiros postos, acelerei. Não foi brusca a aceleração, por isso surpreendeu-me a vantagem averbada em poucos metros. O objectivo era, como disse, apalpar terreno e, de preferência, levar (boa) companhia. Mas como a distância alargava, decidi... continuar a insistir.
Às tantas, a meio da subida, verifico que era um grupo muito restrito que fazia a perseguição. Um trio: André, Jorge e Carlos Gomes. Os homens de Mafra não tinham representante. Definitivamente para trás. Alcanço o topo da Barreiralva e faço a ligação à Murgueira e depois ao Gradil sempre a alta intensidade e sem aparente sinal de recuperação efectiva dos perseguidores.
No início da subida final, de Vila Franca do Rosário, ao tentar aperceber-me da situação, fico com a ideia que a vantagem seria suficiente para geri-la até à Malveira. Ilusão de óptica ou... fenómeno! Às primeiras rampas de VFR, o André surgia no meu encalço (vinha só) e até à junção foi breve, consumada no interior da localidade, onde trocámos dois dedos de conversa antes de eu retomar o meu andamento.
Nos metros finais do topo do Vale da Guarda, ele pisa mais duro nos crenques e ganha alguns metros, sem que eu tivesse capacidade para responder à altura. Ganhou cerca de 100 metros na descida e preservou-os, com naturalidade, até ao topo da Malveira. Média final: 32 km/h para 106 km.
O Jorge foi o terceiro a chegar, em defesa das cores da mui nobre cidade de Alverca. E depois, o Carlos Gomes. Os demais acumularam um atraso muito significativo, com os mafrenses a optarem por acudir ao camarada Chico, que há muito tinha ficado em dificuldades devido à discrepância entre o intenso trabalho a que se submeteu e a sua actual condição física. O Vítor Pirilo, o Pedro Fernandes (chegou ao nosso convívio apenas em Santa Cruz) e o Freitas (merecido prémio da combatividade, com um trabalho solidário indiscutivelmente fantástico, que colocou a fasquia bem alta, não me restando alternativa que não fosse dar também o máximo no seu seguimento), ainda chegaram à Malveira antes do levantamento do... controlo de chegada.
Nota de homenagem especial: a todos os participantes, e em especial aos camaradas da Ciclismo2640 (Manso, PP, Rocha e Chico), pelo contributo nesta jornada espectacular de ciclismo – de resto, assim considerada pela esmagadora maioria dos presentes. É um prazer vê-los «em serviço» e partilhar desses momentos. São grandes!
Elogio extensível à malta da Ciclomix, que desde há muito não faltava a uma chamada para uma clássica. Pelo que sei, por motivos de força maior.