quarta-feira, janeiro 12, 2011

Crónica da Ota

A bicicleta é uma paixão assolapada, já se sabe. E como tal, por ela cometem-se impensáveis desvarios, não é menos verdade. Alguns muito pouco ou nada razoáveis, sem dúvida. Eu cometo, assumo! E há quem diga que são muitos, demasiados.
No último domingo cometi um deles de que não me posso orgulhar, por ter arriscado os limites da sensatez. Arriscando a saúde, debilitada por uma gripe, para matar o bichinho da costumeira saída de grupo.
Fiz mal, mas só no final assumi. Porque no corpo sentia a incongruência da decisão. Mas a incúria transcendeu o que já era desaconselhável: limitar-me cumprir o percurso. Não, somei-lhes quilómetros, minutos, num total de quase cinco horas e 4000 calorias despendidas. Além do empenho total nas cavalgadas mais intensas da jornada.
Resultado: a pior «ressaca» dos últimos tempos, um estado físico lastimável, com desconforto e mal-estar profundos durante todo o dia. O bichinho «Influenza» chamou-lhe um figo e recarregou baterias, castigando-me. Merecidamente, para quem se põe tão a jeito.
Se eu soubesse que o arrependimento seria lição para o futuro, estaria bem. Que não voltarei a repetir a façanha. Mas sei que sim. Por isso, admito a minha maluquice. E agora, porque felizmente hoje estou mais recomposto, só quero é esquecer e voltar para cima dela.
Bom, com isto posso resumir o estado com que me apresentei à volta da Ota, uma das mais apreciadas do nosso calendário, e o que passei para a completar. Mas, no meio deste marasmo, há factos que me causaram estranheza.
Entre estes não está, de todo, a dificuldade que tive para acompanhar o andamento do grupo nos primeiros quilómetros, em direcção a Sacavém, por Unhos e Frielas. Cheguei mesmo a descolar na rampa da nova variante de Unhos e nessa altura, mas só nessa altura, passou-me pela cabeça... desistir (bastava-me ficar em casa à passagem por Alverca).
Na frente, o Freitas impunha um bom ritmo para início de percurso, mantendo-o ainda durante mais alguns quilómetros, depois de Sacavém, já em plena EN10.
No trajecto para Vila Franca passaram vários elementos pela frente do pelotão, sempre sem oscilações de ritmo e a permitir, inclusive, que eu atenuasse as péssimas sensações do início. E depois do empedrado, a meio da caminho de Castanheira, onde o Jony teve o primeiro de uma série de furos, já tinha abandonado as últimas posições do pelotão.
Até ao topo da variante de Alenquer houve outros impasses devido a mais furos, mas, de seguida, o figurino mudou, e as coisas meteram-se mais sérias.
A caminho de Cheganças, o Capela tomou o comando e aproximou o velocímetro dos 40 km/h. No entanto, começou a deixar cair o andamento e motivou a que uma voz de comando, lá detrás, «sugerisse» a sua substituição na tarefa. Punha-se mau para mim, que, não sei como!, vi-me na sua roda. Felizmente, o Lopes mostrou disponibilidade e passou para a frente, mantendo aquela velocidade até à Ota – e sem dar mostras de fraqueza ou vontade de ceder a posição.
Assim, quando o pelotão iniciou a ligação ao Vale do Brejo, pela famosa estrada florestal, já os corações estavam bem altos...
Nas primeiras centenas de metros, o Eurico (bem-vindo!) ainda pareceu com intenções de se revezar com o Lopes, mas rapidamente assumiu posição de protecção, na sua roda. Da Ota até ao início da subida, a média foi superior a 35 km/h – uma obra da autoria exclusiva do Lopes, em excelente forma!
De qualquer modo, tal trabalho invalidou, desde logo, que fizesse parte da luta na subida, tradicionalmente... titânica. A fase inicial foi feita quase com a embalagem, mas quando a pendente se manteve, sobressaíram os mais guerreiros.
E não se aguardou muito para ver mudanças bruscas de ritmo: creio que o Renato de Bucelas deu o mote, e o Capela correspondeu, quase de seguida. Mas o andamento ia muito elevado e a subida... engana, faz-se longa e exige muito músculo (2 km a 3%). Com a carga toda, dificilmente se poderá ganhar vantagem suficiente para suportar o contra-ataque dos perseguidores, logo costuma ser uma prova de eliminação. E voltou a ser.
Entre o grupo principal que passou o ligeiro «descanso» a meio da subida, enquanto eu tentava resistir na cauda, vi o Gonçalo e o Eurico abdicarem antes do ataque decisivo do Jorge, ao que apenas o Jony conseguiu responder e superar com a sua ponta final explosiva. Os demais (Renato, Capela e Duarte) aliviaram os crenques, permitindo-me atingir o topo isolado, a cerca de 20 metros do duo da frente.
Que surpresa, neste dia em que estive quase para dar a volta ao cavalo! Mais ainda, quando em casa verifiquei que o (meu) tempo de subida tinha sido recorde (4m04s, a 31 km/h de média; o Jony e o Jorge fizeram certamente menos 5-10 segundos).
Este foi, como é da praxe, o ponto alto da volta, mas houve outro: um extraordinário exercício de revezamento de uma parte do grupo (cerca de 10 elementos que se atrasaram devido a mais (!!!) um furo do Jony, em Aveiras), na ligação Azambuja-Carregado. Ao estilo contra-relógio por equipas, mas com passagem ainda mais breve pela frente (era quase só passar), exigindo um elevadíssimo empenho dos intervenientes.
Devo referir, em jeito de elogio, que o Duarte foi (e é-o muitas vezes) o principal promotor deste tipo de acções. A média final nesse sector demonstra a eficácia do colectivismo: 39 km/h.
Pela raridade deste tipo de exercícios nas nossas voltas, que - sempre digo – aprecio bastante, porque implica enorme esforço, concentração e sentido colectivo, quero referenciar o nome dos bravos autores: Pina, Pacheco, Capela, Jony, Jorge, Duarte, Salvador, Eurico, Lopes, Renato, António, Ricardo (desculpem-me os que por lapso de memória omiti).
Para mim, foi o canto do cisne: o mal estava feito, logo a seguir veio a factura...

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