terça-feira, março 23, 2010

Clássica de Évora: a crónica

(m.t.) Ninguém que esteja familiarizado com o ciclismo desconhece esta pequena sigla, abreviatura de «mesmo tempo», que é atribuído a todos os elementos de um pelotão que cortou a meta sem cortes. Se a Clássica de Évora de 2010 – evento a partir de agora integrado no calendário do Desafio Audax, da FPCUB – tivesse classificação por tempo, os 30 a 40 elementos do primeiro grupo a cruzar a linha de chegada, naquela cidade alentejana, teriam o mesmo registo cronométrico. Um grande grupo, liderado pelo André Costa, o puto da Ciclomix que bateu a concorrência ao sprint.
A chegada de um pelotão tão número à frente foi desfecho inédito no historial da prova, correspondendo à vertiginosa projecção que teve com o Desafio Audax, que mobilizou cerca de centena e meia de ciclistas e catapultou o seu nível global. A propósito desta fortíssima dinamização, o camarada Manso «Cancellara», membro destacado da equipa Ciclismo2640, de Mafra, desportista empenhado e apreciador deste tipo de iniciativas, expressava assim, logo aos primeiros quilómetros de prova, o seu reconhecimento com a espantosa evolução da Clássica eborense. «Esta prova atingiu a maturidade e deixou de ser vossa! Parabéns pelo vosso trabalho e deixem-na crescer». Convido à leitura do comentário na íntegra no blog de que é autor.
Este é o melhor elogio que os responsáveis pela organização deste evento (Pina Bike e acima de tudo, a Comissão Audax, da FPCUB) poderiam receber. Eu, como elemento Pina Bike, em nome do grupo/empresa, reforço o louvor à referida comissão federativa, na pessoa do camarada Leonel Mendonça, homem que em poucos meses ergueu este empreendimento, fazendo votos para que o Desafio Audax, na sua primeira prova em ano de estreia, evolua como se impõe e se solidifique no espectro nacional do ciclismo amador ou cicloturismo, como se quiser chamar...
Cumpridos os merecidos agradecimentos, vamos à crónica!
O tempo correspondente à sigla (m.t) que serviu de dissertação na abertura desta prosa é o seguinte: 3h45m41s – «crono» para 133,8 km, ao que equivale a média de 35,6 km/h. Com isso, foi batido o recorde da prova e desde logo não surpreende pelo aumento do cartel de participantes em número e nível qualitativo. Em 2009, a média foi de 35,3 km/h, mas a distância de 136,2 km, percorrida em 3h51m41s.
Embora ligeiramente mais rápida, a prova foi, na minha opinião, menos interessante que a do último ano. E houve razões de fundo para que tal sucedesse – a primeira, e talvez mais significativa: o receio recíproco e o excesso de zelo na estratégia. As principais equipas que costumam alinhar nas nossas Clássicas temeram-se, creio que demasiado, e as mais recentes ou estreantes, casos dos Duros do Pedal e dos Passarinhos, na sua condição de «outsiders», ficaram convenientemente na expectativa.
No primeiro caso, refiro-me às formações Pina Bike, Ciclomix e Carb Boom e menos ao Ciclismo 2640 que conta com elementos habituais nas nossas lides, mas está ainda estão dar os primeiros passos em colectivo. As suas estratégias muito vincadas fizeram guardar os principais trunfos para os supostos momentos decisivos da jornada, a partir de Montemor, e acabaram por retirar algum condimento à Clássica. Basta dizer que o pelotão rolou sempre agrupado até à subida de Montemor (100 km), até lá não existindo, sequer, tentativas de fuga dignas de registo. As equipas de quem mais se esperava procuraram controlar as incidências à cabeça do grande grupo, não tanto na sua condução, mas na prevenção de ataques protagonizados por elementos «importantes». A tarefa da Carb Boom ficou mais facilitada com a disponibilidade do Capela, que é a que se sabe; o Ciclomix colocou lá os seus incansáveis trabalhadores, Hugo Silveira, «Salameca» e Dário; e o Pina Bike, posicionou o Evaristo, Salvador e Capitão apenas em missão de vigilância.
No entanto, o início até foi prometedor, muito rápido. Até Vila Franca cumpriu-se uma média de 35 km/h, claramente superior aos 30 km/h de 2009. Mas ficou-se por aí... Com a entrada na recta do Cabo, estabeleceu-se ritmo de cruzeiro, que, apesar de elevado (37 km/h de média até Vendas Novas), não chegou ao do ano passado (37,3 km/h) que, então, não foi suficiente para desencorajar a inúmeros ataques e tentativas de fugas que resultaram na grande aventura do dia, do João Rodrigues (ex-GNP, agora Carb Boom). Este foi uma das ausências mais notadas desta edição. Aliás, nas imediações do Infantado veio-me memória o momento em que aquele forte rolador partiu em solitário, na sequências de um trabalho fantástico da sua equipa, assim se mantendo até 15 km do final.
Com o acumular da distância, a inércia generalizada e a condução do pelotão entregue quase exclusivamente ao incansável Capela, as equipas «outsiders», como a dos Duros, perderam eventuais receios iniciais e começaram a aparecer mais amiúde na frente e a participar activamente nas despesas de liderança do grupo. De Vendas Novas até ao início da subida de Montemor fez-se 35 km/h (contra 35,4 de 2009), ou seja, quem pensou que o andamento foi globalmente muito mais alto que no ano transacto, desengane-se. E com o aproximar de Montemor, ponto nevrálgico desta Clássica, seriam cada vez mais improváveis movimentações significativas. O único ponto de intensidade foi a passagem por Vendas Novas, com o aumento do ritmo à saída das rotundas, tão peogoso quanto o atravessamento da zona urbana a alta velocidade. Apesar disso, o pelotão manteve-se compacto.
Finalmente, a subida. Que nas suas primeiras inclinações, ainda muito suaves, gerou demasiado nervosismo no pelotão. Demasiado mesmo! E também uma disposição atípica do grupo, sem haver que se assumisse. O Paulo Pais, ao seu estilo, abriu as hostilidades e teve o mérito de colocar a «questão» na devida a ordem, estabelecendo uma primeira hierarquia.
No entanto, partiu do André o maior ataque. Disparou na parte mais inclinada e abriu cerca de 100 metros rapidamente. Os mais fortes do pelotão lançaram desde logo a perseguição, e à entrada da avenida principal o fugitivo estava controlado. O ritmo estabilizou e não houve contra-respostas. Assim, quem passou menos bem na subida... agradeceu. E uma vez ultrapassada Montemor, foi uma questão de (pouco) tempo para liquidar a fuga.
Vamos a números: a subida foi mais rápida que em 2009. Mas pouco: 4m45s contra 4h55s, mas a intensidade curiosamente bem superior (para mim). Fiz 183 pulsações médias este ano contra 173 em 2009, embora tenha passado mais confortavelmente agora. Por isso, é estranha a disparidade «cardíaca», que só se explica por diferenças respeitantes ao que se passara antes, até à subida. No ano passado cheguei muito mais cansado devido ao trabalho na perseguição à fuga, e este ano, mais folgado, a pulsação disparou! Terá sido isso?
Voltando à estrada. O decurso do restante trajecto (26 km) até Évora foi diferente da edição do ano passado. As condições eram igualmente diferentes. Então, destacou-se um grupo de apenas seis elementos; agora manteve-se um pelotão com várias dezenas de unidades. Por isso, não surpreendeu que finalmente se sucedessem ataques para tentar causar fracturas. Houve, mas todos sem êxito.
Nesse sector, a Ciclomix lançou um segundo ataque, pelo Filipe Arraiolos, mas apesar do seu mérito não poderia ir longe sem ajuda. O pelotão moveu-lhe a perseguição e reabsorveu-o. Eu próprio procurei, em algumas ocasiões, acelerar o ritmo nos topos, porém, foram esforços sem correspondência, apenas provocando desgaste. E houve mais uns tantos, com o mesmo destino. As principais figuras limitavam-se a deixar «queimar», colocando os seus «co-equipiers» imediatamente na perseguição. O pelotão parecia um harmónio, mas manteve-se coeso. O terreno, como se sabe, também não é favorável a cissões, por ser demasiado rápido. Ainda assim, em 2009 andou-se muito mais depressa neste último sector do percurso: 38,5 km/h contra 35,4 km/h.
Deste modo, ultrapassados todos os topos possíveis de fazerem a alguma diferença, percebeu-se que o final seria discutido ao sprint. O André Costa, como se disse, surpreendeu toda a concorrência, batendo os «naturalmente» sprinters, e revelando-se um ciclista completo! De resto, o homem da Ciclomix originalmente apontado a um final deste tipo deveria ser o Hugo Maçã, vide o êxito do ano passado, mas algumas passagens em trabalho após Montemor já deixavam antever que aquela formação teria outros trunfos.
De qualquer modo, considero que o André, sem lhe retirar mérito (que o teve indiscutivelmente, demonstrando desde logo com o ataque em Montemor, ser o favorito desta Clássica e tão forte como o Capela, pelo trabalho referido), aproveitou momento de menor fulgor dos principais sprinters, inclusive do próprio «companheiro» Maçã. Também é o caso do velocista da Pina Bike, o Freitas, que obteve um honroso segundo lugar, embora continue convicto que naquele tipo de chegadas (em sprint puro, numa longa recta plana) seja mais rápido e explosivo que o puto. Mas contra factos...
A fechar o pódio, o Paulo Pais (Carb Boom), cujas capacidades de sprinter estão longe ser indiscutíveis, mas vale-se muito da sua categoria e experiência.

Próxima Clássica será à de Santa Cruz, no dia 11 de Abril. Refira-se que foi antecipada em uma semana, para não coincidir com prova dos Masters, no seguimento de pedido expresso de alguns desses atletas, como o Duarte Azenha e o João Santos (Jony), que muito nos honra.Sobre esta prova, daremos todas as informações em breve para que os interessados possam preparar atempadamente a participação. Adianta-se desde já que tem características totalmente diferentes de Évora e até mesmo de Santarém. É bem mais dura!

7 comentários:

Dario Teixeira disse...

Boas Ricardo

Mais uma vez parabéns pela crónica, e também pela organização de mais um evento que adquiriu uma dimensão extraordinária. Entretanto gostaria de saber para quando é a clássica Ota-Fátima-Ota ? Abraços

Felizardo disse...

Boa crónica e grande clássica. Muitos parabéns a todos os que contribuíram na organização do evento.

Só tive pena de não me ter aguentado na frente até ao fim. Aliás, uma das imagens que me ficaram gravadas foi a de quando descolei do grupo da frente a cerca de 15 km da chegada, uma altura em que era precisamente o autor deste blogue a impor o ritmo: eu a sentir como se estivessem a puxar-me para trás e o Ricardo a pedalar de pé com a "leveza" do costume, como se a etapa tivesse começado minutos antes...

Abraço.

Unknown disse...

Espero que esta tenha sido apenas a primeira de uma série de Audax's.

Miguelm

Anónimo disse...

eu sou um dos elementos que partecipei na clássica. se fosse possivel gostaria de saber o percurso da classica de santa cruz e mais detalhes

Ricardo Costa disse...

No seguimento dos comentários:

Dario, obrigado mais uma vez pelo elogio. Por outro lado, lamento o teu azar na prova de BTT. Quanto ao Ota-Fátima-Ota, nada sei, mas habitualmente realiza-se na sexta-feira Santa, portanto no próximo dia 2. Também estou a contar em participar. Estive lá nos últimos dois anos e posso assegurar que vale muito a pena...

Ao Edgar: a mesma retribuição pela referência elogiosa. Tu e o teu grupo, Ciclomoina, estiveram em enormíssimo nível: não tenho dúvidas que foi a vossa melhor participação, correspondendo a uma subida colectiva de patamar que constato nos momentos partilha de estrada. É uma evolução natural. Esperamos contar convosco em próximas clássicas e ainda com mais entusiasmo nas mais empenhativas, sem receio de eventuais dificuldades porque estou em crer que é do espírito de superação e de interajuda que vêm a vossa maior força e motivação!

Bem haja ao Miguel Marcelino, que recentemente tive o privilégio de rever, tal como ao seu pai, ambos grandes entusiasta de de jornadas épicas de ciclismo, aquém e além fronteiras. Também eu espero que o Desafio Audax continue, embora as últimas notícias revelem que os seus responsáveis descobriram discrepâncias (verdadeiras) entre o espírito Audax e o das Clássicas (estas mais competitivas). Para mim, o ideal seria a compatibilização de ambos em eventos comuns, que considero praticáveis. Mas se assim não tiver de ser, lamento muito mas «the show must go on...» Adia-se, um vez mais, o nascimento do verdadeiro conceito de «roda live» em Portugal. E a maioria dos 150 ciclistas que estiveram em Évora (logo neste primeiro evento) continuarão defraudados... e a procurar, como nós, o estrangeiro para «matar o bichinho».

Finalmente, ao participante anónimo de Évora e interessado em Santa Cruz, adianto que a data desta Clássica (a 3ª da temporada) é dia 11 de Abril (domingo), com partida e chegada a Loures (posto de abastecimento da BP ou no mesmo local da partida para Évora), a distância é de 125 km e o percurso será resumidamente o seguinte: Loures-Tojal-Bucelas-Sobral-Dois Portos-Runa-Torres Vedras-A dos Cunhados-Vimeiro-Sta. Cruz-Silveira-Ponte do Rol-S. Pedro da Cadeira-Encarnação-Picanceira-Murgueira-Gradil-Vila Franca do Rosário-Malveira-Venda do Pinheiro-Lousa-Loures.
No início da próxima semana, a Clássica será apresentada (oficialmente), com todas as informações.

Abraço

DUROS DO PEDAL disse...

Saudações ciclisticas

Como não podia deixar de ser eu To Monteiro rebucador de um comboio (DUROS DO PEDAL) aqui vos deixo letrado as minhas emoções, opiniões sobre esta grade clássica Loures – Évora:
Para quem ainda só agora teve os primeiros contactos connosco e se pergunta mas quem são estes cromos?
A Maioria de nós levava uma fita no capacete, uma vez que as camisolas ainda não estão acabadas.
O seu a seu dono, e os parabéns aos Pina por estas iniciativas.
Parabéns ao Ricardo Costa por passar para o papel estes rescaldos escritos ao cm, como se de uma Etapa da Volta se tratassem.
Fora os inscritos no AUDAX mais de 100 carregaram no pedal pelas 8 em ponto ao som de uma buzina de ar comprimido, fazendo estremecer o peito e soltar alguma adrenalina, pois começava aqui o derradeiro desafio, de tentar acompanhar muitos de voz que mais parecem profissionais .
Havia que esticar o enorme comboio ,e fugir á maior confusão que ficava para traz, sendo o ritmo bem aceso até Vila Franca 35kmh , dando a cara ao vento os fortes ciclomix, Carb boon, Pina bike , e TO Monteiro.
Depois da ``massagem´´ em Vila Franca o ritmo acelera na ponte 37kmh, deixando com algumas dificuldades os mais agarrados á cauda, que bem tiveram de carregar no pedal para reagrupar.
Aqui o Comboio estava bem esticado e só uns bons kms depois consegui aos poucos chegar na frente, que é um lugar muito desgastante mas me dá muito gozo, pena as canetas não estarem no seu melhor.
Para alem dos já habitués rebucadores Ciclomix carboom e Pinas deram também o peito ao vento To Monteiro, Vaqueirinho, Esteves, e Tapadas dos DUROS.
Deculpem não quero estar a puxar a brasa á minha sardinha mas em muitas das Etapas se esquece o trabalho cansativo e muito importante feito pelos que dão o peito ao vento.
Mais ou menos ao km 50, aparece-me uma caimbra quando eu puxava na frente á 2 ou 3 minutos, para espanto meu pois é muito raro me acontecer.
A partir daqui instalou-se me uma insegurança até ao fim da aventura sendo muito difícil chegar na frente deste comboio desenfreado.
Lá se parou para um xx mais ou menos ao km 70 o que acho importante e deveria ser dado como habitual em estiradas tão longas.
Quanto ás Fugas acabaram por não acontecer, pois o vento estava um pouco de feição, os compridos falsos planos foram muitos, e com a entrada de grupos novos na aventura, ninguém quis arriscar ficando na espectativa, guardando-se a lenha para os kms finais!
Daqui para a frente não mais consegui chegar na cabeça do grupo, ficando para quem quiser mais detalhes do desfecho o rescaldo bem elaborado pelo pró Ricardo Costa.
Como alguém já referiu, deixem que a Clássica cresça, mas há que melhorar uns aspectos se me premitem.
1 – Evitar ocupar 2 faixas de rodagem, lugares onde os carros que vêem atráz á bastante tempo poderiam agora ultrapassar.
2 – Evitar pisar os traços contínuos e passar rotundas pela esquerda pois não se esqueçam que as multas caem na carta de ligeiros.
3 – Os veiculos de apoio não podem seguir atrás ou ir na frente do pelotão , se já é difícil os carros ultrapassarem tamanho comboio, imaginem com viaturas á mistura…
4 – Há que ensinar também os condutores destes carros de apoio.
Muitas vezes eu avisei o pessoal pelo caminho fora mas ninguém ligou, e resultado na chegada a Évora eu e o Mendonça fomos identificados pela G.N.R do carro que ia a abrir caminho.
Tivémos de esperar para ai uns 40 minutos pelo Bus que trazia as autorizações do evento em dia , e tudo ficou bem.
Eu pergunto quem pagaria a multa?
Desculpem qualquer coisa .

Venha de lá o Troia Sagres Primaveril 200km!!!

PS era bom ver mais vezes os Passarinhos nestas andanças.

Abraços

TO MONTEIRO

(DUROS DO PEDAL)

J. Manso disse...

Boas Ricardo,

Espero que a organização do Audax consiga perceber que estamos num país demasiado pequeno para estarmos sempre a especificar demasiado as coisas e a cingir na participação muitos elementos.
De igual modo seria bom que os mais competitivos percebessem o espirito Audax e não fizessem apenas uma corrida, com tudo o que de mau isso acarreta.
Relembro que as corridas têm um calendário próprio com locais e datas marcadas.
Marchas com a carripana na frente com a bela da músiquinha...

Daquilo que li o espirito Audax também tem como objectivo a superação e, de certo modo, a performance. Com algumas cedências de parte a parte poderiamos ter um pouco de tudo com resultados muito positivos.
Há algum manifesto público que de algum modo ponha a nu essas incompatibilidades?

Abraço e boas pedaladas