terça-feira, março 16, 2010

Gradil: a crónica

Ora aí está uma situação invulgar, por ser bastante raro em mim facilitar na garantia do correcto funcionamento do medidor de frequência cardíaca, depois de tanto anos de fidelidade à máquina. Principalmente nas voltas domingueiras, em que além da importância do registo instantâneo, acrescenta-se a sua análise informática, à posteriori. Pois, foi o que não sucedeu no passado domingo: o Polar deixou de colaborar algures no trajecto preliminar, entre Alverca e Loures, e ao contrário do que por vezes acontece: não voltou a dar sinais de vida. Ou melhor, manteve-se em estado de coma, oscilando entre mentirosas 90 e 110 pulsações durante toda a manhã.
Como se costuma dizer, foi um treino por sensações. E que sensações! Tais, que lamento o desconhecimento de alguns dos registos mais intensos da jornada. Que foram vários, num género muito parecido ao da semana transacta, na volta da Carnota.
Mas houve mais «anomalias», coisas fora do comum, nesta volta. O André decidiu expor-se ao desgaste, acredite-se! O mais correcto será dizer que surpreendeu mais por ter abandonado a sua atitude parasita habitual, do que pela entrega a um trabalho árduo e prolongado, que a ele nem a ninguém se poderá exigir. Ou seja, foi de um extremo ao outro. Porém, é muito mais meritória esta «nova» faceta do jovem de Montachique (espero que perdure), bastante mais de acordo com as suas inegáveis qualidades de ciclista. Pela mudança de comportamento, acima de tudo, e pelo desempenho acima da média, vai para ele o meu primeiro elogio.
Mas o que fez, realmente, de tão... diferente? Levou o pelotão praticamente a subida inteira do Forte de Alqueidão à velocidade média de 27,1 km/h, num tempo que ficou a pouco mais um minuto (24m35s) do recorde, realizado em Outubro de 2009, na Clássica dos Campeões (23m27s), na altura com responsabilidade maioritária do Dario. Quem esteve nesse dia, recorda-se certamente da frenética subida, com múltiplos ataques do Jony e do Runa? E de tudo o que se passou durante a tirada: uma verdadeira Clássica de Campeões, que por isso ficou assim baptizada, e que se repetirá este ano.
No domingo, o puto imitou a façanha no Alqueidão e trabalhou a grande nível, apenas «permitindo» a outros breves substituições na condução do pelotão, como foi o meu caso e o do Duarte. Ao chegarmos ao cume, o próprio Duarte fez referência ao tipo de acção (competitiva) do André, com um elogio. «É assim que se faz, na parte final acelera-se ainda um pouco mais para não permitir que ninguém ataque, mesmo que isso custe a quem já vai na frente durante tanto tempo e meter um andamento daqueles». Nada a apontar. Resta apenas acrescentar que, para fazer isso é preciso... ser-se capaz!
Depois deste começo prometedor – o pelotão correspondeu, e apesar do ritmo, foram poucos os que cederam e apenas com ligeiro atraso - seguiu-se o sector novo do percurso, que colheu elogios pela paisagem e críticas pelo estado do piso. São os condicionalismos do Google Earth: vamos aos sítios sem lá... ir! No entanto, passou-se sem incidentes e a velocidade moderada, como se pediu. Caso para dizer: como anda disciplinado este pelotão!
Novamente no trajecto original, rumou-se de Dois Porto a Pêro Negro, onde o Freitas realizou várias passagens pela frente, uma delas, no falso plano ascendente de Perna de Pau, a meter o grupo em fila indiana. Este tipo de mudanças de velocidade, progressivas mas fortes durante dois ou três minutos (não é preciso mais), tem o condão de provocar instabilidade no pelotão, por vezes acabando por originar pequenos cortes. São óptimas para acentuar desgastes e preparar o terreno para uma fuga.
Por isso, não surpreendeu que na variante de Pêro Negro até ao cruzamento de Casal de Barbas, fossem vários os grupos que se formaram, espaçados não mais de 15-20 metros, mas a forçar a constantes acelerações para reagrupamento. Aí está o desgaste! De qualquer modo, no referido cruzamento, o pelotão estava, de novo, compacto. Sem fugas que vingassem, portanto. E assim se manteve no irregular sector que ladeia a Serra do Socorro em ligação ao Turcifal – onde, apesar disso, se cumpriu a neutralização estabelecida. Aguardou-se por alguns elementos em paradeiro desconhecido, que após 10 minutos ainda não tinham chegado e logo se retomou o andamento, tranquilamente, a caminho do Gradil.
E terá sido essa tranquilidade que facilitou o «momento do dia». Classificou-o desta forma, porque marcou decisivamente as incidências no principal ponto quente da tirada, aquele por que todos aguardavam e que dá o nome à volta: a subida do Gradil.
Esse momento foi a fuga da dupla Freitas e Carlos Gomes, que se destacou do pelotão sem atacar, perante a passividade deste – e quando este se deu conta... já era tarde! O Salvador acompanhou-os durante pouco tempo, rapidamente se deixando descair para o conforto do grande grupo, que movia finalmente a perseguição, liderada pelo Luís (BH). Muito bom trabalho o que desenvolveu, sem beneficiar de colaboração e levando-o até muito além das primeiras inclinações da subida inicial do Gradil.
Todavia, este esforço (como disse, meritório) não serviu para encurtar distâncias para os fugitivos – apenas manteve-as. E a «culpa» deve-se à retracção dos restantes elementos do pelotão. Excepção foi o Paulo Pais que, nos últimos 500 metros da primeira subida, deu um sinal de inquietude, espevitando o andamento na frente do grupo perseguidor. Foi a experiência a determinar a sua acção, numa iniciativa que todos os interessados na subida poderiam (ou deveriam) ter tomado... muito antes. E o PP não se ficou só por aí, lançou-se na descida a toda a velocidade e, nesse troço, certamente os fugitivos não ganharam mais tempo. Arrisco que perderam. Além disso, quem acusou dificuldades no derradeiro sector da primeira ascensão, também deverá ter ficado definitivamente para trás.
Tanto mais, que a entrada na subida final (a principal, para a Murgueira) foi bem mais intensa que a primeira. Numa altura que o grupo perseguidor principal avista o Freitas já descolado do Carlos Gomes, decidi tomar a rédeas e acelerar o passo. Comigo, vislumbro apenas (não quer dizer que não estivessem mais elementos, porque deveriam...), o André, Duarte, Rui Torpes e o Jorge. Assim, rapidamente alcançamos o Freitas, que me «deu» a sua roda num esforço adicional para me ajudar na recuperação. Isto é trabalho de equipa!
No entanto, havia quem não estivesse pelos ajustes. Talvez pelo facto de a subida ser curta e a vantagem do Gomes não autorizar momentos de relaxe como o que Freitas estava a proporcionar. Surpreendeu quem deu o mote: o Jorge. Saiu de trás de mim, mudou de velocidade e todos seguiram a sua roda, abandonando a do ex-fugitivo. O alverquense meteu um ritmo muito bom – mas por isso surpreendeu menos, tratando-se de um claríssimo trepador (abaixo dos 55 kg).
Contudo, parecia cada vez mais certo que alcançar o Gomes era tarefa impossível. Ou quase. Desse modo, depois de «esgotar» a excelente boleia do meu conterrâneo, fiz-me à última parte da subida com a pretensão de fazê-la à mais alta intensidade possível. O Gomes, esse, em fantástica «performance», estava agora definitivamente fora de alcance.
Nos últimos 300 metros, o Rui Torpes saiu em pedaleira grande (tudo metido!) e foi-me impossível segui-lo mais de 50 metros. O André ainda ficou na minha roda uns instantes, mas rapidamente lhe dei guia de marcha, juntando-se ao Torpes no pouco que restava percorrer até ao alto da Murgueira. Mas sem concretizar o objectivo de anular a fuga – por meros (mas decisivos) 100-120 metros.
Por isso, para o Carlos Gomes, merecidamente, vai o segundo grande elogio. Fica o ensinamento: já se sabia, mas fica mais uma prova que, como diz o «outro», há certos elementos a quem não se pode dar um metro.
O pelotão chegou espaçado, correspondendo ao elevado ritmo se imprimiu à frente, e que permitiu superar, por 21 segundos (7m06s; 23,5 km/h), o anterior recorde da subida que já durava há três anos. Note-se que aquele tempo refere-se ao meu registo, já que o do Torpes/André foi cerca de 10 segundos inferior – portanto abaixo dos 7 minutos.
Na ligação final, de regresso a Loures, ainda houve mais alguns «picos» de intensidade, como os que sucederam no topo da Carapinheira (rotunda). O Freitas voltou a meter o passo na variante e três saíram para o sprint: eu, o Ricardo (grande estreia com a cores da Pina Bike!) e o André – que carimbou no alto.
O último «pico», e que acabou por durar até Loures, foi na aproximação à Malveira e destacou um grupo composto por mim, pelo Duarte, Jorge, André, Carlos Cunha, Ricardo, Gomes e o Freitas – este último a recuperar na recta da Venda do Pinheiro o atraso na subida para a Malveira. O octeto manteve-se a ritmo vivo e colaborante na longa descida para Loures, resistindo a confrontação no topo de Guerreiros, onde as forças já escasseavam a alguns. Foi bonito, pá!

Ainda sobre o Polar: no final da volta, quando regressávamos em descompressão a Alverca (um grupo de malta daquelas bandas: Duarte, Jony, Carlos Cunha e o Pedro Fernandes, que ainda de «chegar» ao Carregado), às tantas, em fase de recuperação da passagem no topo para a rotunda da Costa e Baleia, pareceu-me ver o Duarte fisgar-me o monitor. (Perdoa-me, camarada, se não foi o caso, mas errada impressão). A confirmar-se, não sei com que ideia terá ficado do meu estado de forma, considerando que os dígitos no visor indicavam uma impressionante recuperação para 90 pulsações (considerando a fase da volta, após tanta intensidade). Impressionante, mas falsa, meu caro, se foi esse o motivo da tua curiosidade. Naquela altura, mesmo sem esforço, o meu coração... upa, upa!

Amanhã, todos os pormenores sobre a Clássica de Évora, do próximo domingo.

1 comentário:

Pedro Fernandes disse...

Volta com uma paisagem deslumbrante

Pois é, vimos o Paris-Nice; Terreno Adriático na Eurosport esta semana (para quem pode, claro – não esquecer Milão S. Remo no próximo sábado das 15h – 16h) mas esta voltinha, como muitas, foi espectacular -- há que dar valor ao que é nosso.

Infelizmente o grupo não está a aumentar, a malta não quer engrossar um 2º, 3º ou 4º grupo com ritmos diferentes, é pena porque tornasse também agradável seguir o mesmo percurso com ritmos diferentes.

A parte que me toca após a passagem por Mafra e depois de esticar o elástico até dar (e depois de reagrupar várias vezes durante o percurso) lá fiquei com um grupo na rectaguarda de 5 elementos, em que fomos num ritmo vivo, mas agradável até Loures, claro não pude mais do que a roda e mais roda, upss, upss, …

Esperemos que o tempo esteja agradável para Évora.