quarta-feira, maio 12, 2010

Crónica d'A Especial

A volta de domingo teve um percurso estrondoso, em substituição da Clássica de Fátima, e que nada fica a dever a este concorrido evento de ciclismo anual. A única diferença foi precisamente a adesão: a volta que denominou de Especial, teve participantes em número incomparavelmente inferior ao que é tradicional na (entre nós) famosa Clássica. E se não bastasse o menor prestígio da nova volta para justificar a mais fraca participação, outro motivo muito forte houve, que veio de cima.. e não teve a mão do Papa. A «ordem» surgiu ainda mais acima, do próprio S. Pedro: chuva, pois claro. Não uma borrasca incessante, apenas madrugadora, mas inclemente e mesmo a jeito de desencorajar os que tiveram mais dificuldade em erguer-se do quentinho vale dos lençóis.

Em dia de encontro (mais um) com os camaradas do Ciclismo2640, nem assim foi fácil arrancar os poucos que compareceram de baixo do resguardo do posto de abastecimento de Loures. Quando finalmente se decidiu enfrentar a intempérie, formou-se um grupo pequeno de encharcados (eu, Freitas, Capitão, Jony, Duarte e Gonçalo) mas empenhados em lutar contra os factores naturais e as inclinações da estrada, desde logo a caminho de Guerreiros, Lousa e Venda do Pinheiro.

Nesta ligação, deu-se a perceber quem é que estava mais forte. A forma autoritária como o Duarte assumiu a despesa após a subida de Guerreiros foi o primeiro de uma série de sinais (esclarecedores) do seu bom momento de forma. Na subida da Freixeira apenas se mantiveram, na sua «picante» roda, apenas eu e o Freitas. De resto, quando cheguei ao topo senti-me logo... maltratado, com péssimas sensações para uma jornada que se antevia bem dura. Apesar de, finalmente, ter deixado de chover. Definitivamente.

Na Venda, entrou o Manso Cancellara, o único representante do «directivo» de Mafra (como o próprio carinhosamente o apelida) num raio de 40 km a partir de Loures: o Paulo Pais (o seguinte) e o duo Dario e Xico já entraram muito perto de Torres Vedras. Fizeram bem retardar a saída, poupando-se, assim, à chuva das primeiras horas da manhã e a... muitos quilómetros.

Rapidamente e ao seu estilo, o Cancellara não pediu licença para passar à liderança do pelotão, e os seus recém-chegados comparsas não demoraram muito a coadjuvá-lo. Passou-se a subida de Catefica em regimes médios, em perseguição (controlada) ao Xico e foi a intensidade mais baixa que se percorreu toda a variante de Torres e os primeiros quilómetros da estrada do Bombarral.

Nessa altura, as minhas más sensações agravam-se com fortes dores musculares, ao ponto de ter de bater nos quadriceps para tentar atenuar as picadas. Teria sido do efeito da chuva – em dose dupla neste fim-de-semana? A verdade é que desde o início não tive boas pernas e havia de chegar o momento, na volta, em que isso ficaria bem explícito.

O que veio a suceder à primeira mudança forte de ritmo, depois do Vilar, na subida para Vila Verde dos Francos. O Duarte mexeu à frente e motivou um corte no pelotão à saída do Vilar. Com ele: Freitas, Xico e Cancellara. Na rotunda do Rodeio, quando já tinham 200 metros de vantagem, decidi assumir a perseguição. Até ao início da subida, a distância não aumentou, mas, logo após, começou a alargar, motivando a reacção do Dario, que me rendeu em grande estilo. Ainda me mantive 100/200 metros na sua roda, mas o seu ritmo era demasiado para as minhas capacidades e ao «largá-lo» rebentei com estrondo! Felizmente, o PP deu-me a sua roda «profissional», ajudando-me a encontrar o ritmo na subida, atenuando os prejuízos.

À frente, no final da subida, o quarteto ameaçava desfazer-se à custa do andamento do Duarte e impedindo o Dario de consumar o seu excelente esforço de recuperação. E foi já foi em contacto visual (mas com bons 30/40 segundos de atraso) para o grupo da dianteira que entrámos na estrada da Abrigada, onde se previa o reagrupamento. Este sucedeu, embora forçado, devido a uma série de incidentes que marcaram definitivamente o decurso da volta. Alguns chegaram a fazer... sangue, embora com causas bem distintas.

Tudo começou com a queda do Manso e do Duarte. Ao que se sabe, o Manso distraiu-se e embrulharam-se. Para o primeiro resultaram escoriações e a roupa esfarrapada; para o segundo, não sabemos, porque não mais foi visto, tal como o Freitas.

Neste impasse, houve quem descobrisse um porco num quintal. Um porco, sim. Suíno preto e sem nada de amigável. Como os porquinhos... cor-de-rosa. Dava ares de javali! E alguém achou o animal esfomeado e decidiu alimentá-lo. Este não enjeitou a oferenda mesmo tratando-se, por certo, de dieta pouco convencional: barras energéticas, talvez com cafeína.

Entendeu-se, então, ser oportuno registar o momento com solenidade, em fotografia. Voluntário a modelo, o PP, naturalmente, por ser o mais elegante dos presentes. Todavia, com a pose distraiu-se no acto e o porco filou-lhe os dentes... nos dedos. Resultado: ferimento ligeiro, mas com hemorragia abundante. Por precaução, decidiu-se recorrer a auxílio médico. Pouco provável. À falta deste, sugeriram-se os préstimos dos bombeiros mais próximos, na Abrigada. Também nada feito, quartel encerrado. Resta à vítima tratar das próprias feridas, ao estilo de Rambo. Pele arrepanhada cortada à força dos incisivos (uii!!) e desinfecção com água de chafariz. Num instante, o destemido PP estava restabelecido, e pronto a fazer-se, de novo, à estrada.

E agora, não para voltar a ser mordido, mas para roer um osso bem duro - chamado serra da Ota: 2,5 km a 8%.

Com tantos contratempos e contas quase a descoberto, antevia-se (no meu caso) um mau bocado. Nas primeiras rampas, fico logo para trás (e com os detrás: PP, Jony e Gonçalo), observando os mais afoitos a trepar... mas também sem grande fulgor. O mais regular foi o Xico, que acabou por se isolar, à frente do Dario e do Cancellara. Em posição intermédia, o irmão do Miguel da Ota, num ritmo incerto.

Nas inclinações mais fortes, o Dario ganhou ligeira vantagem sobre o Cancellara, e eu, cerca de 200 metros atrás, decidi... ou vai ou racha! Numa movimentação pouco habitual (em mim) em subida, acelerei de esticão e cheguei rapidamente «à beira» do Cancellara - não ainda na sua roda... e caí sobre o guiador, contorcendo-me sobre a bicicleta. Péssima ideia, pensei.

Recuperei a pedalada (baixa, baixa) e acabei por alcançar (e ultrapassar) o Cancellara já perto do final da fase mais íngreme da subida. Incentivei-o a agarrar a roda, e ele correspondeu muito bem, rendendo-me mesmo, pouco antes de alcançarmos o «mano» do Miguel e o Dario. Terminámos, em quarteto, a cerca de 200 metros do imperturbável Xico.

E lá no alto, só de lembrar que ainda a procissão estava no adro, que faltava grande parte do percurso, e nada acessível! Sobral, Alqueidão, uf, nem pensar! No cruzamento da Espinçandeira, resolvi mobilizar alguns compinchas também em má estado para atalharmos para Alenquer, Vila Franca e Alverca. E assim, o empeno não foi tão grave como se afigurava se a decisão tivesse sido completar o percurso.

Durante o regresso, ainda deu para gozarmos, desde Alenquer, da companhia do muito fresco Nuno Garcia. Que escapara à chuva... e ao porco!

1 comentário:

Dario Teixeira disse...

Excelente crónica Ricardo, sim senhor. Há imagens que vão perdurar para o resto da vida e é destas coisas que se fazem as histórias. Um porco, quem diria, um porco entrou nas conversas de ciclistas. Na 4a feira fui às massagens com o PP e as mãos dele ainda arranhavam um bocado...

Abraços