terça-feira, abril 15, 2014

Crónica do Roteiro dos Muros


Os «Muros» confirmaram, uma vez mais, o «caráter» que os tornam tão especiais. Posso seguramente afirmar que a edição deste ano foi a de mais alto nível de toda a (já longa) existência desta volta, que é um desafio à capacidade de superação física e anímica dos seus participantes, dos menos aos mais... preparados. Digo-o, com a ressalva de, no ano passado, não ter integrado o autêntico grupo de elite que esteve presente – Renato Hernandez, Rui Torpes, André, Hugo Arraiolos – mas num trio que, todavia, manteve aqueles sempre à vista até à subida de Galegos/Molhados – eu, o Jorge «Contador» e o Félix «Cancellara».

No último domingo, porém, o grupo era mais numeroso e tão empenhado, e o nível até um bom degrau acima. Os números confirmam-no: tempos mais rápidos em quase todas as 13 subidas, para um total de 8 minutos retirados em relação a 2013: 3h21 contra 3h28. Anunciemos, então, os 10 bravos do pelotão que atacaram a Serra da Alrota, o primeiro «muro» do percurso: Nuno Mendes, Felizardo, Jorge, Luís Veloso, André, Augusto Vitorino, Jony, Tiago Martins, Duarte Azenha e eu. Todavia, não foram só estes que se fizeram ao Roteiro, mais de uma dezenas de abnegados venceram-no igualmente, cada elemento/grupo ao seu ritmo próprio, e no final, certamente, com o mesmo sentimento de dever cumprido – o de uma manhã de ciclismo em cheio.

Mas passemos ao relato dos principais acontecimentos: desde logo, a íngreme Alrota, com o seu quilómetro a 8,5% médios. Curva apertada à direita, contracurva, acima de 10%, e madrugadora movimentação! O Mendes mete «uma abaixo» e arranca como se não houvesse... mais «muros»! No pelotão, o único a reagir foi o Augusto, alcançando-o rapidamente. Os dois não tiveram mais de 50 metros de vantagem, e o Mendes cedo decidiu abdicar. Sensato. Se quisesse durar... Este golpe teve o condão de aumentar o andamento do grupo e, consequentemente, a seletividade daquela ascensão. Por isso, no alto houve diferenças, embora pequenas. Nada que a descida para Bucelas não dissipasse.

Na parte final, contratempo: o Mendes perde o bidão. Meia-volta. Eu e o Felizardo aliviámos, aguardando. Logo a seguir também o Tiago. Ainda antes do final da descida, salta novamente o bidão demasiado XL para a grade. Mais atraso. Os da frente não se aperceberam. Por isso, a dúvida do Félix não poderia ter resposta dos seus companheiros: «Será que eles esperam?» No Roteiro, esta é uma pretensão... secundária.

Os quatro fizemo-nos à subida de Bucelas para as antenas, mais 1 km (6%), acelerando paulatinamente e mantendo passo rijo em direção a Santiago dos Velhos (SdV). Pelo caminho alcançamos o Luís Veloso e o Jorge, que teriam refreado o ímpeto pela nossa falta. De qualquer modo, à entrada da 3.ª subida (SdV), observámos que o grupo adiantado aguardava. Excelente! Antes bem antes do topo, pelotão compacto.

Na ligação à Contradinha, finalmente pude começar a cumprir uma parte do plano para o treino/volta: fazer transições sem descanso completo. Assim, passei para a frente, repetindo a iniciativa quase invariavelmente em todas as subidas que restavam. A rampa da Contradinha, que «abri» antes de o Augusto ter tomado a dianteira na segunda metade, voltou a espaçar o grupo, com os primeiros sinais de dificuldades de alguns. Em contraponto, a esmagadora maioria evidenciava coesão e um nível muito similar. Pelo menos, até aí...

Longa descida pela Louriceira até Ponte de Monfalim e o primeiro grande pitéu da jornada: a subida de S. Quintino. O Duarte disse que a desconhecia, admitindo que «sempre que podia passava-lhe ao lado» para não a enfrentar. Pelo menos, sabia da fama. E certamente não terá ficado defraudado. Mais do que isso: lançou-se a ela e venceu-a, atingindo o topo a poucos metros do trio que se destacou: Augusto, Jorge e eu. Aqui, como é hábito, os primeiros amassos sérios. A prová-lo, só na paragem «fisiológica» na Seramena se reuniu de novo o pelotão. Mas uma primeira baixa: o Félix demorou, demorou e nem após a pausa e um período de contenção na descida para Casais de S. Quintino chegou para que se reintegrasse. Este ano, os Muros estiveram mais altos do que em 2013! Definitivamente, demasiado.

Casais de S. Quintino voltou a fazer-se «ligeirinho», com o Augusto e o Tiago em evidência, mas a partir do cume foi o Jorge, o Duarte e principalmente o Jony, vindos de trás, a relançar o andamento. Num ápice estávamos em Sapataria, com Galegos/Molhados pela frente. Nada de novo, nem sequer o andamento – que continuou vivo. À saída da subida, o habitual «forcing» do Augusto, que abordou da mesma maneira todas as subidas, acelerando progressivamente; tal como eu, mas a abri-las e nas já referidas transições.

Fi-lo também nesta, até à Póvoa da Galega, e a entrar para o «muro» da Charneca. Transposto! Agora com o Jony e o Duarte um pouco mais descaídos, a fazerem contas às que (lhes) restavam. Mais duas: a inevitável Choutaria e Rogel.

Na longa descida, mais do mesmo: eu a imprimir o ritmo, o que suscitou a pergunta do Tiago depois de Ponte de Lousa: «a que pulsações desceste?». «Em redor das 150», respondi. Eis o custo (voluntário) deste «exercício» que, creio, também acrescenta uma dose de dificuldade... à dificuldade do Roteiro.

Enfim, a Choutaria. À entrada, muitas dúvidas. Havia quem desconhecesse a subida. Terrível!, com aquele famoso «muro» final acima de 20%. Um desses desconhecedores era o Tiago – e pagou por isso. Mas não por incapacidade, sim por desmedida confiança. A violenta aceleração que fez à entrada para a parte mais íngreme da subida, para responder à que o Augusto conscientemente efetuou, custou-lhe um dissabor de todo imprevisto. Sofreu o que os espanhóis chamam «parón» e nós «ficar a pé», mas pior: teve a necessidade de meter o pé no chão. Faz parte do ciclismo. Nada de mais, e perfeitamente justificável pelo excesso que cometido. No alto, o Augusto (também ele teve de moderar bastante o ímpeto) voltou a destacar-se, confirmando ser o elemento mais forte do dia. Esperava-se mais do André, que esteve em notória (e assumida) contenção, a gerir a fadiga de treinos recentes.

Mas só um patamarzinho abaixo destes dois jovens esteve o Jorge (o Duarte também enquanto esteve presente), com o ciclista de Arcena a assomar-se aos lugares cimeiros à medida que as subidas (e o desnível) se acumulavam. Teremos o melhor Contador de regresso!? Foi isso que mostrou em Rogel, em Monte Gordo e especialmente nas exigentes Salemas, onde veio «de trás para a frente», surgindo em grande estilo na parte final para levar, a mim e ao André, a fechar o espaço para o Augusto. Ou quase...
Nesta altura, os restantes vacilavam mais a cada ascensão e para a derradeira, de Ribas de Baixo-Fanhões, apenas o Luís Veloso e o Tiago (enormes na capacidade de superação e a fazerem jus a méritos de trepadores) restavam entre o quarteto (Augusto, André, Jorge e eu). No «grand finale», o Augusto, o André e o Jorge, sem forçarem muito deixaram-me literalmente agarrado às pernas - que tinham razões para reclamar dos maus tratos do dia. O treino e, acima de tudo, o divertimento... já cá estavam!                   

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