terça-feira, maio 23, 2006

Lagos de Covadonga - a crónica

Um pelotão de 1500 ciclistas à conquista de uma montanha verdadeiramente infernal: eis a Clássica Internacional Lagos de Covadonga 2006.
Tenho pela subida dos Lagos uma relação de amor-ódio. Porta de entrada nos famosos Picos da Europa, é a mais espectacular e exigente de todas as que já subi – e não foram poucas, todas com aura mítica: Tourmalet, Aspin, Mont Ventoux, Galibier, Aubisque, Marie Blanque, Croix de Fer, Luz Ardiden, Deux Alpes, entre outras. Confronta-nos com o antagonismo brutal entre o cenário natural idílico e a dureza tenebrosa das rampas que separam, pouco mais de 12 km, o Santuário de Covadonga e o tranquilo Lago Ercina, o segundo e mais elevado, a pouco mais de 1100 metros de altitude.
A cada ano que a visito – e é já o quarto –, a montanha parece-me mais bela e arrebatadora. Na véspera da prova, o tradicional reconhecimento de carro, aviva-me sempre a lembrança do primeiro dia, aquele de Maio de 1998, em que disse para mim próprio que ainda não estava preparado para conseguir vencê-la. E não consegui!
Agora, oito anos volvidos, e apesar da rodagem «internacional», aquela montanha continua a fazer-me calafrios e a sofrer como, até ver, nenhuma outra. O meu calvário chama-se Huesera – uma rampa de 800 metros a 14% de inclinação média, que se enfrenta depois de 5 km que não baixam dos 9%, e que precede mais 6 km que misturam passagens a 13-14-15 e duas descidas curtas e vertiginosas, que passam num ápice. Lá, como alguém disse, deparamo-nos com «a verdadeira essência do ciclismo». O cenário é sempre igual: corpos curvados sobre o guiador das bicicletas, pedalada lenta, seca, muito suor e sofrimento. O que diria o «grande» Miguel Indurain, cuja presença à partida de Cangas de Onis era inspiradora, se me visse nestes propósitos?!
Mas a Clássica dos Lagos é mais do que a subida final. Muito mais. Desde logo, o Mirador del Fito, logo aos 8 km de prova. Uma subida de 10 km a 5% de média, digamos, para abrir a «caixa». Logo nas primeiras rampas, o pelotão alonga-se na estrada sinuosa e eu tomo o pulso à minha condição (pulso não foi bem, já que o meu Polar deixou de funcionar e fui «por sensações» a prova toda!), impondo o ritmo do quinteto de portugueses. A saber, os Pina Bike: Ricardo Costa, Luís Freitas, Nuno Garcia, Miguel Marcelino; e o alentejano de Vendas Novas, Jerónimo, que, já batido nestas andanças, desde cedo encontrou o seu próprio passo para melhor gerir o esforço. Os Pina Bike mantiveram-se juntos e sensivelmente a partir de meio da subida, o Miguel e o Freitas renderam-me no comando das operações, este último a deixar desde logo a ideia de estar em grande forma – só podia para não se resguardar nem a subir! De qualquer modo, o ritmo foi moderado, mais do que o do ano passado, em que fizemos cerca de 2 minutos menos.
Depois de «coronar», como dizem os espanhóis, seguiu-se longa e perigosa descida até à costa do Cantábrico, às suas praias frias e desertas, e ao típico sobe e desce «rompe piernas», a recomendar muito tino no ímpeto. Foi o que parecia não ter o nosso companheiro Freitas «Durão» – mas deveria ser apenas e mais um reflexo do seu estado de grande vitalidade física. Prontamente aconselhado pelos «mais experientes», voltou ao conforto do seio do pelotão, onde os cinco se refugiaram até à subida do Ortiguero, com cerca de 4 km a 5% – uma espécie de Mata (Arruda), para quem conhece.
Entre o Mirador del Fito a Posada, onde se inicia a gradual ascensão, fez-se uma média de 36,5 km/h – nada que impressione quem está habituado a cavalgadas domingueiras com os «nacionais» do Pina Bike!
Quando a inclinação aumentou, o andamento baixou bastante – sinal que o grupo não era forte a subir. Então foi um espanhol com o estilo do Nando que fez a vez do Miguel (versão 2005), impondo um ritmo muito forte para todos os elementos do grupo. Nem todos, os Pina Bike resistiram e muito antes do cume juntaram-se à frente. O meu trabalho pode ter-me custado alguma energia preciosa…
A partir daqui, uma longa descida (15 km) com falsos planos a exigir «pedal» e depois o troço de ligação (8 km) até Covadonga, início da subida final para os Lagos. A média na descida rondou os 42 km/h e depois até Covadonga os 25 km/h, altura em aproveita habitualmente para restabelecer energias e preparar-se psicologicamente para a duríssima montanha.
Finalmente, os Lagos! Primeira rampa com mais de 10%, logo para abrir as hostilidades. Ouço o Freitas dizer que iria meter o seu ritmo e parecia ter a companhia do Miguel, que mostrava algum receio das suas capacidades. Eu também encontrei o meu ritmo para a primeira parte da subida, mais rápido que este duo, enquanto o Nuno – que se tinha atraso cerca de 20 segundos no reabastecimento antes da subida – vinha em recuperação. Constatei isso na primeira curva em cotovelo. O meu andamento foi muito regular durante os primeiros 5 km, quando a inclinação média raramente baixa dos 9%, mas na iminência da Huesera e do esforço adicional que é exigido, baixei ligeiramente o ritmo para tentar passar melhor. Nessa altura, o Nuno recuperou grande parte da desvantagem e aos 200 metros daquela rampa infernal (troço de 800 metros a 13-14-15%, num km a média de 13,8%) passou por mim e foi… embora. Paulatinamente, como se faz naquele local, ganhando metro após metro. À saída da Huesera senti que estava «acabado» para o resto da subida, a não ser que a inclinação baixasse – o que não acontece, se exceptuarmos as duas descidas rápidas que não permitem reencontrar o ritmo. Assim, os restantes 5 km foram sempre em perda, com algumas passagens de grande sofrimento. Esta subida é sempre um calvário! Atrás, sem que lá à frente fosse visível, o Freitas tinha deixado o Miguel e estava em nítida recuperação.
O Nuno fez uma excelente subida e chegou ao final com 2 minutos de vantagem sobre mim e o Freitas 1 minuto e uns pozinhos depois. Este surpreendentemente, admito-o! Foi grande a prestação do nosso companheiro Durão, demonstrando que o trabalho de casa, durante 15 dias de férias, foi muito bem feito. O Miguel atingiu o alto cerca de 2 minutos depois do Freitas (sensivelmente!) e o Jerónimo alguns minutos depois, também eles realizando óptimos desempenhos…
Próximo encontro, dia 10 de Julho, na Etapa do Tour.

7 comentários:

Anónimo disse...

Boas COIMPANHEIROS!
Finalmente a tão desejada crónica! Parabéns, pois pela descrição estiveram ao vosso nível (GRANDE NUNO!!!)!
Só de ler fiquei cansado, pois a adjectivação revela bem o castigo a que se sujeitaram.
Aqui, a rapaziada mais "fraquinha", cumpriu com as suas obrigações domingueiras...dando um passeiozito pela Ericeira.
Foi tão calmo ... que decidi a meio (em Mafra) seguir pelo Gradil em direcção a V. Franca do Rosário!...
Nem deu para aquecer!!!...
Domingo lá estarei para saber + pormenores da vossa aventura.

AB e aproveitem para descansar...

Anónimo disse...

Bravo!
Parabéns a todos por + 1 épica jornada de ciclismo.

1ab e boas pedaladas,
ZT

Anónimo disse...

Internacionais:
Como é que está a ser a "ressaca" dos Lagos???

Ab,
ZT

Ricardo Costa disse...

Olha ZT, para mim tem sido com febre e diarreia, que desde terça-feira têm-me deixado de completamente de rastos. Não esperava que a ressaca fosse tão a valer!

Anónimo disse...

Bom dia Ricardo,
Como é que vai o cabedal hoje? Melhor? Espero que sim.
A situação é má mas dada a sua natureza normalmente deixa marcas porque se perde peso, etc...!!!
Há-de passar.
O pior é que este fds deverás estar condicionado e isso nunca nos agrada...
Com muita pena minha não houve a oportunidade de partilhar os registos do teu Polar...fica para a próxima. O pior mesmo foi tu não teres tido referências em esforço!
Por falar nisso, qual é a volta?

1ab,
ZT

Ricardo Costa disse...

Oi ZT, obrigado pela preocupação. Isto vai, mas muito devagarinho. Continuo muito debilitado, sem energia, sem apetite e com uma sensação de mal-estar que me afecta a cabeça. Por isso, só quero restabelecer-me por completo para não haver mais contratempos. Os médicos dizem que são normais estes sintomas.
Penso que a volta que está prevista no calendário é a do Sobral da Abelheira. É um percurso espectacular, mas que exige boa condição para se desfrutar dele - o que não é o meu caso, definitivamente.
O itinerário é o seguinte: Loures-Tojal-Bucelas-Vale S. Gião-Póvoa da Galega-Pêro Negro-à direita p/ S. Sebastião/Serra do Socorro-Casal de Barbas-Turcifal-à esq. p/Malveira-à dir- p/ Livramento-Sobral da Abelheira-Barreiralva-Murgueira-Paz-Mafra-Alcainça-Malveira-Lousa-Loures

A subida da Abelheira é dura. São 1,5 km a 9% e depois de chegar à estrada nacional, ainda restam 600 metros a 5%.

Ricardo Costa disse...

Bem, nunca é demais realçar as boas prestações de ciclistas portugueses. Mas quando nossos companheiros destas andanças e amigos, a questão é imperiosa.
Isto para dizer, que ao observar pormenorizadamente a classificação geral dos Lagos de Covadonga, disponível em www.cct-nasvastur.com, dá para retirar conclusões mais precisas do desempenho na prova do quinteto que lá esteve representado, embora por quyalquer razão desconhecida o Miguel tenha sido «banido» da classificação.
Aqui fica a classificação «possível».
209º - Nuno Garcia - 4.07.17
226º - Ricardo Costa - 4.09.16
238º - Luís Freitas - 4.10.26
535º - Jerónimo Cruz - 4.20.08
Partiram 1583 ciclistas e foram classificados 1338.

Mas o facto mais relevante, para mim, é o fantástico registo da subida dos Lagos realizado pelo Nuno (54.21), que está ao nível médio dos que se classificaram perto do lugar 100 ou melhor. De resto, também a minha subida (56.38), a do Freitas (57.49) e a do Miguel, que deverá ter sido cerca de 2.00 mais, nos posicionariam na fronteira dos 100 melhores.
Com isto quero dizer que, para a próxima, vamos partir lá da frente, para apanhar o melhor pelotão possível.
Aliás, isso dá para constatar nos tempos de passagem no Mirador del Fito: em média, os que passaram dentro do nosso tempo ficaram abaixo dos 300/350 primeiros. Elucidadivo!
Por isso, acabaram os atrasos ao pequeno almoço!