quinta-feira, outubro 31, 2013

Crónica do «Livramento-Óbidos»


O evento Livramento-Óbidos-Livramento (chamemos-lhe apenas Óbidos para simplificar), organizado pelo meu amigo e camarada destas andanças, Paulo Pais, desde a sua primeira edição (e como me recordo de a ver ainda com uma ideia na incubadora!) tem a particularidade, quase exclusiva entre iniciativas do género, de resumir em pouco mais de 100 km e de 3 horas na estrada toda uma temporada de ciclismo. Nele, confluem todos os anos, correspondendo à convocatória/convite do popular anfitrião, dezenas de praticantes entusiastas do ciclismo, numa amostra do que é, atualmente, esta atividade na nossa região, arrisco dizer, no país. Alinham «gentes» de diversas proveniências, distintos historiais na modalidade e níveis de competitividade díspares. De antigos profissionais como o impagável Carlos Marta a discretos «domingueiros»; a alguns dos mais reputados corredores amadores destas bandas (inclusive ao nível nacional, como a Taça de BTT, Masters, Sub-23) e a muitos que fazem da paixão pelo ciclismo uma extensão importante do seu quotidiano, treinando afincadamente (diariamente, como profissionais), só porque sim...; ou para participar (e querer fazer boa figura) nas já célebres Clássicas promovidas por diversos grupos (Pina Bike, Duros do Pedal, R-Bikes, Passarada) e nos entretanto (finalmente!) criados e emergentes Granfondo (Gerês, Lousã, Évora). Fazem-nos num espírito de são convívio e com uma predisposição sem condicionalismo para uma refrega competitiva final, como que a celebrar o encerramento de uma época longa e recheada. O Óbidos tem tudo isso, e muito mais...

E a edição deste ano não fugiu à regra! Pelotão com cerca de 30 unidades e a aumentar na primeira fase do percurso até à «mui formosa» vila de Óbidos, em que, de acordo com o «regulamento da «prova», que vigora deste sempre, respeita-se um «acordo de cavalheiros-ciclistas» para manter andamento moderado a fim de manter o grupo compacto e promover a (tal) convivialidade que torna este evento tão especial.

No regresso, a partir do Bombarral (os derradeiros 40 km), então sim, abrem-se as hostilidades e acrescenta-se à parte lúdica a (tal) componente competitiva que muitos dos participantes experienciaram ao longo da temporada. E não há contemplações, faz-se (ou reproduz-se o efeito de) uma autêntica corrida, sem efetivamente o ser... Disse-se, no final, que fora menos exigente do que em anteriores edições. Houve quem a considerasse demasiado tática. Mas ninguém deve discordar que teve todos os condimentos que se reconhece à (saudável) competição. A velocidade média elevada, os ataques, até a referida estratégia, a adrenalina, a vertigem e... a noção de chegada/meta.

Como habitualmente, soltaram-se as feras logo a seguir ao Bombarral a caminho do Outeiro da Cabeça. É verdade que não foi uma abordagem desenfreada como já sucedeu noutro anos, mas os 37 km/h de média à passagem pelo topo final, após o falso plano ascendente que se conhece (7 km a 1%), desmente a «tese» da facilidade. Talvez o andamento certo, sem grandes oscilações ou ataques, terá contribuído para acentuá-la (a «tese»). Mas, como sempre, serviu para se ficar a saber (os que não sabiam...) que, a partir daí, a cavalgada estava lançada e pararia... só no final!

Após isto, sim, começaram os ataques, embora, naquele terreno (tão rápido), todos condenados à partida. Por volta desta altura, assumiram-se os que traziam mais pretensões ou... força. Entre todos, destacou-se o Tiago Silva, que foi, sem dúvida, o homem do dia, pela constância à frente do grupo e o contributo para o ritmo elevado. Mas, acima de tudo, porque apesar deste desgaste, teve capacidade para ser manter entre o muito selecionado grupo da dianteira no final, e de o discutir com os mais fortes e (claramente!) mais poupados/frescos. Entre estes, o André, que, ao seu estilo, carimbou no alto do Livramento, à chegada, sem antes ter passado um milímetro sequer pela frente do pelotão/grupo. De qualquer modo, não o «condeno», pois considero (opinião pessoal) que traz um fator adicional a estas iniciativas, o da pura competitividade, e que obriga os restantes - que tiverem interessados -  a procurar formas de o contrariar. O que não é fácil. Ou melhor, é extremamente difícil, dada a sua enorme capacidade. Contudo, (novamente opinião pessoal) valorizo muito mais (neste caso) o desempenho do Tiago Silva.

Mas este dois não foram os únicos a mostrar serviço nesta jornada. Ficou na retina, desde logo, a disponibilidade do anfitrião PP, em crescendo de forma desde a mini preparação para o maxi desafio do Grandfondo da Lousã. Esteve sempre a espreitar os primeiros lugares e, quando pôde, deu um ar da sua graça – como muito gosta de fazer... Também o João Aldeano, embora ainda em recuperação da forma física após a longa paragem devido a queda grave, não perdendo o ensejo de, a espaços, emprestar mais vivacidade ao andamento. O Marquinhos (após uma «falta» imperdoável na Lousã), que liderou as operações na complicada e exigente passagem pela variante de Torres até Catefica. Interrompido, na subida para o nó da A8, pelo ataque forte do Tiago Silva, que foi rapidamente anulado após uma perseguição consistente que fez a seleção definitiva no grupo. A primeira, embora ainda ténue, fi-la no topo do Ameal – não sei porquê, mas nas minhas participações tem sido frequente sentir-me bem nesse local -, onde meti um «Tempo» de intensidade alta (para mim). No resto, para mim, foi só! Tanto mais, que não houve mais descanso e já foi uma tarefa suficientemente difícil permanecer entre o cada vez mais espremido grupo da frente.

Outra das figuras do dia foi o Filipe Arraiolos, a dar continuidade ao seu excelente momento no Skyroad. Esteve sempre entre os primeiros e deu claramente a ideia (arrisco, a certeza) de estar a trabalhar para o André. E melhor não poderia fazê-lo – a não ser levá-lo ao colo até à chegada. Fundamental a manter carga no andamento, a fechar espaços e, cereja no topo do bolo, a desferir um magnífico ataque na Freixofeira que deixou autenticamente o seu «chefe-de-fila» num sofá... Motivo: entre os 7-8 elementos do grupo da frente já estavam todos muito justos, e o esforço que se requeria ao Tiago Silva para a perseguição deixava-o automaticamente fora da discussão final. Mas, «eis senão quando», surge o João Rodrigues (Ciclismo 2640) a dar o peito ao vento e, num esforço louvável (e impressionante de força) acabou por deixar à mercê, à passagem pelo cruzamento da Azueira, o fugitivo que já parecia inalcançável.

Depois, na rampa final gastaram-se as últimas balas (quem a tinha, porque eu...), com o jovem promissor do ciclismo nacional, João Silva (outro bem resguardado), pronto a apresentar os seus argumentos, mas, tal como sucedeu numa célebre edição anterior ao Marco Almeida, enganou-se e seguiu em frente junto ao jardim da igreja, abrindo caminho ao André, o mais explosivo dos restantes. Mas o Tiago (ainda ele) ficou com o mesmo tempo do «vencedor». Lá está...

P.S. No elitista grupo da frente à chegada, não poderia deixar de mencionar a presença (em destaque) do Pina Bike Nuno Mendes, em extraordinário final de temporada.                                 
 

1 comentário:

Pedro Fernandes disse...

Extraordinário relato
Digno de uma Gazzetta Dello Sport.
Efetivamente foi mais uma volta extraordinária a levar o grupo em pelotão, mas a bom ritmo.
Livramento-Óbidos-Bombarral e o Paulo Pais tipo mota lá tentava colocar a disciplina amigável para ninguém “saltar antes do Bombarral.
Depois foi à morte com o meu pulsometro a passar os 100% numa constante nos topos depois do Bombarral, um espetáculo, ehhh
Para mim foi extraordinário a gerir as minhas famosas caibras que no último declive antes da descida para Torres Vedras me afastou da possibilidade de continuar com os PRO´s até Torres Vedras, no entanto fiz um acumulado de 182km o que não é mau para um domingueiro, ehhh.
Isto sem levar porrada também não tinha piada, aahhh.
Parabéns ao Paulo Pais por se preocupar sempre com a segurança do grupo.
Um abraço a todos, esperemos que no domingo não chova, ehh
Pedro Fernandes (carregado)