quinta-feira, março 27, 2014

Crónica da Clássica de Santa Cruz


Comecemos por um episódio que não define a Clássica de Santa Cruz, nem de longe, mas caracteriza bem o expoente máximo da competitividade que, quer queiramos ou não, está subjacente a este tipo de eventos que há alguns anos faz parte da «nossa» temporada, com indiscutível sucesso.

Instantes após o final da fase competitiva do percurso, depois do alto de Guerreiros, quando descíamos tranquilamente para Loures, o simpático e sempre «competitivo» Vítor Mata-a-Velha exteriorizava, numa espécie de crítica e frustração: «Vim sempre a puxar a fundo desde a Malveira e o André sempre na roda; no fim atacou deixando-nos pregados [nota: com os dois, chegaram ali também o Serafim Vieira e o João Silva]». E eu respondi com redundância, considerando a pessoa visada: «Com o André, só se surpreende quem não o conhece. Não vale a pena lamentar, mas sim lidar com a realidade». O que eu queria dizer é: aguente-se! Na minha opinião, goste-se ou não, o André é um acrescento especial para a competitividade inerente às Clássicas - arrisco, o seu expoente máximo. Também por isso, alimento a curiosidade de um dia, nestas circunstâncias, alguém conseguir contrariá-lo! Não será fácil, convenhamos.        

Segunda Clássica, segundo sucesso de participação e «realização». Em Santa Cruz, tal como em Santarém, empenho e entusiasmo generalizado, e um andamento excecional, refletido na média quase profissional de 35 km/h. Homenagem e um agradecimento a todos os participantes, desde os mais rápidos – que completaram os 118,5 km (Loures-Alto de Guerreiros) em menos de 3h25minutos (34,7 km/h) –, aos que demoraram o «seu tempo». Um especial e rasgado elogio aos elementos do grupo Pina Bike, que revelaram o «tal» espírito de equipa – afinal é possível! –, e um nível de qualidade em crescendo.

O início foi moderado, com os Roda28 a assumirem o comando do pelotão. É um grupo que já nos habituou a ser um exemplo de coletivismo, e sempre com a lição bem estudada, com elementos disponíveis e solidários para contribuir para uma estratégia predefinida, quase sempre em prol do seu elemento mais «completo», André Madureira.

Até Bucelas mandaram eles, mas com a entrada na subida para o Alqueidão assumiram-se os Pinas, com o Nuno Mendes, o Ricardo Afonso, o Felizardo a meterem um «tempo» de respeito. No entanto, a subida não estava fácil, devido ao vento (embora não fosse forte), como eu próprio constatei uns minutos mais tarde, quando, após várias movimentações despoletadas por um ataque do Serafim Vieira, se isolaram três elementos importantes: ele, o Vítor Mata-a-Velha e o André Madureira. Ou seja, ali estavam representadas quase todas as «forças» em jogo, ficando de fora apenas os Pinas e a eventual dupla André-Hugo Arraiolos. Por isso, decidi assumir a perseguição, mesmo que, rapidamente, tenha sentido, como referi, que a subida não estava convidativa a esforços isolados. No entanto, persisti na ação, pela sua utilidade e o exemplo aos meus companheiros (há que dar para receber, como mais tarde se verificou), mesmo com a consciência de estaria a desgastar-me. E mais: valeu a pena, porque os fugitivos, apesar de irem bem, nunca deixaram de estar à vista. Só não tendo sido melhor recompensado, porque não tive ajuda e, principalmente, porque à passagem pelos ferro-velhos de Arranhó, o André e o Arraiolos ensaiaram uma espécie de ataque que logo abortaram, mas que após a pronta reação do pelotão teve o condão de causar uma «paragem» quase até ao Alqueidão que beneficiou o trio em fuga (tempo abaixo dos 25 minutos na subida diz bem que esta foi ligeirinha...). De qualquer modo, após uma descida veloz para o Sobral, o topo para o jardim central muito atacado e nova descida, para Dois Portos, a fundo (KOM à média de 53,5 km/h), fim de fuga: o pelotão ficou, de novo, compacto.

A partir daí, até Torres, com a entrada do Paulo Pais, do João Rodrigues e do João Aldeano (Ciclismo2640), estes dois assumiram, sem pedir licença, as despesas na frente do grande grupo, dando um excelente exemplo. Ritmo sempre «sem descanso» (Sobral-Torres, KOM do Gonçalo, a 39 km/h de média!).

A toada manteve-se na subida à saída de Torres, por A-dos-Cunhados até aos topos da Maceira-Porto Novo-Sra. Rita, agora com a presença hegemónica do João Silva (Efapel) à cabeça do pelotão (Torres-Maceira, 34 km/h). Então, aqui, tudo mudou... para mim! Após a rampa mais dura, apesar de muitíssimo atacada à frente (pico de pulso do dia, aos 182), parecia que tudo estava a correr bem ao deparar-me na roda do tranquilo Aldeano. Só que, na descida para a praia, a minha bicicleta lança um grunhido aterrador! Corrente enfolada, avaria grave, pensei logo. Olho para baixo para ver o que se passava e com isto perco 20-30 metros quando a estrada endireitou. Forço, mas à frente o João Silva também... Entro rapidamente em perda com a entrada nas retas desabrigadas junto às dunas, em falso plano ascendente. 100 metros e a perder... Temi: «vou ficar já aqui, acabou!». Na minha roda, o Guedes, bravo trepador, mas longe de ser o rolador possante que necessitava(mos) para fechar o espaço para o pelotão, já reduzido nesta altura. Felizmente, na aproximação a Santa Cruz, o ritmo aliviou à frente e cortámos cerca de metade da desvantagem: mas ainda 50 metros na rotunda antes do «retão» do parque de campismo. Então, o momento-chave: os meus companheiros apercebem-se que eu estava descaído e numa manobra solidária e tão simples, recuaram em bloco para me «apanhar» e, em menos de 500 metros, levaram-me ao pelotão. Valeu rapazes!

De qualquer modo, receei desde logo que as mazelas daquele esforço (9 minutos a 168 de pulso médio) surgiram mais tarde, quando o percurso entrasse nas... subidas. Contudo, surpreendentemente (ou não), as sensações melhoram com elas, começando logo na ascensão de S. Pedro da Cadeira e consolidando-se na seguinte, da Encarnação, esta com a motivação extra de ver o Jorge a meter o andamento. Está de volta, o meu camarada! Tudo isso, com a bicicleta a fazer um ruído de elefante... – é do cepo, garantiram os entendidos. Foi assim até ao final.

No entanto, faltava o primeiro grande teste às pernas: Picanceira. Abordagem moderada, aumento do ritmo na fase mais íngreme e aquela aceleração manhosa na fase aparentemente mais acessível até ao falso plano que leva até à descida. Aí, o Nuno Mendes vacila à minha frente, descai e abre um espaço que eu fecho com «delicadeza» para que conseguisse manter a minha roda. Digo-lhe: «mais 100 metros, coragem!» Mas foram demais, e ficou. Agora o grupo da frente não desligava, nem por nada. Entrava-se na fase crucial, era agarrar ou... largar. Já antes o Felizardo tinha largado.

Após o alto, ligação à Murgueira sempre a abrir (40 km/h) com o João Silva ainda na frente (é pró!), 1.ª descida do Gradil e nova subida. Esta teve início controlado e final musculado, com o David Inácio a mostrar-se pela primeira vez, ao estilo que começa a ser a sua imagem de marca e ainda há bem pouco tempo alinha assiduamente nas andanças no nosso grupo. O Jorge, o Ricardo Afonso e Bruno de Alverca perdem o comboio mas reentram já depois da descida, em plena EN8, antes de iniciar a ascensão de Vila Franca do Rosário. Aqui, muita «tática», muito controlo entre as figuras do já reduzidíssimo (10-15 unidades) grupo da frente. Perante isso, quem assume? O Jorge «Contador» de Arcena! Leva sozinho até à entrada do topo do Vale da Guarda, quando surgem os primeiros ataques. Mais vítimas. Creio que o Afonso e o Bruno definitivamente. E, por fim, na rampa final para a Malveira, com o David Inácio a acelerar com respostas mais ou menos eficazes de 4-5 elementos. O Arraiolos tinha tudo para se adiantar, mas creio que não estava nos seus dias.

Assim, com o Inácio e o Aldeano a ficarem por ali, formaram-se dois grupos: à frente o André, Mata-a-Velha, João Silva e Serafim Vieira; na perseguição, três Roda28 (um deles o Madureira), o irmão do André e eu. Já a caminho da Venda – e depois de algumas atrocidades a lamentar no trânsito da Malveira!! - alcançámos o Luís Martinho (Saxo azul), que seguia intermédio. Graças a um trabalho louvável de colaboração entre os Roda28, fizemos uma média de 44 km/h da Malveira ao topo de Guerreiros, o final, a escassos 100-200 metros do quarteto da dianteira (e apesar de um ou dois «atrasos» devido ao veículos lentos...). No meu grupo, o Madureira acelerou forte no fim e eu fiquei agrado por ter conseguido segui-lo.

Venha a próxima, Évora, já no dia 6 de abril!

Amanhã, lançamento da volta do próximo domingo, Santiago dos Velhos.  

3 comentários:

Pedro Fernandes disse...

Ricardo
Extraordinário excelente relato
Excelente percurso
Excelente pessoal
Parabéns
Limitei-me a acompanhar Torres-Picadeira mas cheguei a casa com acumulado 152km todo empenado e completamente de rastos.
Um abraço, parabéns pela continuação e elevado desempenho on-line, aahh
Qual GrandFondo, os domingos e as clássicas são extraordinárias.
As inscrições do Grandfondo Évora, 27 de Abril, encerrou com 900 participantes mas penso que o percurso não se chateia se aparecerem mais 900, aahhh
Não treinem muito senão perdem a sensação do sofrimento, e desgastam o material, aahhhh
Pedro Fernandes (Carregado)

Pedro Fernandes disse...

Ricardo
Extraordinário excelente relato
Excelente percurso
Excelente pessoal
Parabéns
Limitei-me a acompanhar Torres-Picadeira mas cheguei a casa com acumulado 152km todo empenado e completamente de rastos.
Um abraço, parabéns pela continuação e elevado desempenho on-line, aahh
Qual GrandFondo, os domingos e as clássicas são extraordinárias.
As inscrições do Grandfondo Évora, 27 de Abril, encerrou com 900 participantes mas penso que o percurso não se chateia se aparecerem mais 900, aahhh
Não treinem muito senão perdem a sensação do sofrimento, e desgastam o material, aahhhh
Pedro Fernandes (Carregado)

Jorge Marques disse...

Só agora é que vi o relato desta bela clássica ( mais vale tarde que nunca). Esse elemento que é referido como irmão do andré, chama-se Jorge Marques e é vizinho do andré. Foi a primeira vez que andei nestas andanças e adorei. Abraço amigos ;)