terça-feira, outubro 25, 2005

Balanço da temporada de 2005

A proximidade da divulgação da Etape du Tour 2006 (na quinta-feira) e o facto de já se saberem as datas da Quebrantahuesos (17 de Junho) e da Lagos de Covadonga (20 de Maio) pode assumir-se como o encerramento definitivo da actual temporada e a abertura (em termos de planeamento) da próxima.
Por isso, dei por mim a fazer o rescaldo (mais um) da época ciclista de 2005, ano em que houve um significativo salto qualitativo de rendimento, não apenas pessoal, mas também da maioria dos elementos do grupo Pina Bike.
No meu caso, do ponto de vista das participações internacionais – Lagos de Covadonga e Etape du Tour —, a época foi extraordinária, antes de mais, por terem sido desafios concretizados sem «mau» sofrimento e recompensadoras experiências de companheirismo. O mesmo em relação ao calendário semanal de voltas domingueiras (à excepção de uma ou duas quedas sem consequências graves) e às três tiradas longas: Fátima, Vila de Rei e Serra da Estrela.
No entanto, no que se refere exclusivamente ao desempenho nos dois momentos altos da temporada (Lagos e Tour), pode aplicar-se a velha máxima de que o bom é inimigo do óptimo. Ou seja, numa época em que nível de treino foi superior ao de anos anteriores —, nomeadamente naqueles em que participei em clássicas internacionais (1998, 2000 e 2001) — a verdade é que não posso afirmar que o objectivo fazer coincidir os picos de forma com essas duas provas, foi totalmente atingido. Esse facto foi mais evidente nos Lagos, mas também no Tour, e deveu-se a um programa de preparação menos conseguido, talvez por ter seguido demasiado à risca os de anos anteriores, mas com mais volume e intensidade desde muito cedo – aqui residindo o maior erro.
A prova disso foi o bom rendimento no Loures-Fátima (dia 24 de Abril), ainda a um mês dos Lagos. Verdade seja dita: agora, no final da época, posso assegurar que aquela foi a altura em que me senti melhor! E depois de analisar o diário de treino, concluo que foram treinos de grande qualidade, com o Nando, logo a partir de início de Fevereiro, que contribuíram para entrar demasiado cedo em forma.
O desempenho nos Lagos conforma isso mesmo. Desde cedo, senti dificuldades para seguir o ritmo do Miguel no Mirador Del Fito (10 km a mais de 6%), estive quase sempre em sobre-regime mesmo em terreno plano, perante a elevada velocidade em que rolámos em pelotão, e na subida duríssima dos Lagos nunca consegui encontrar o ritmo certo e sofri demasiado – também pela falta do carreto 26. Aqui, faço referência para a excelente forma do Miguel, esbanjando energia em ataques em montanha e a «tirar» à frente do pelotão, que chegou a rolar a mais de 50 km/h, e terá sido só por isso que cedeu drasticamente a 2 km da meta. E para a boa condição do Nuno – que se passeou autenticamente (a sua baixíssima pulsação média ao longo da prova foi indigna!) e que só por isso terei conseguido cortar a meta praticamente ao seu lado, depois ter cedido alguns metros na subida, ainda antes do estoiro do Miguel.
Estávamos a pouco menos de dois meses da Etape du Tour e havia muito tempo para recuperar, primeiro, e depois apurar a forma. Contudo, apenas foi possível atingir o primeiro objectivo. A partir daí, os treinos passaram a ser quase exclusivamente de recuperação, com a fadiga muscular a impedir trabalho de intensidade, obrigando-me a tomar medidas extremas, como a auto-massagem e descansos activos – quando deveria estar a «meter» carga. De positivo, apenas dois treinos na serra de Monchique, com duas subidas à Foia, a meio de Junho – a altura em que o Miguel e o Nuno participavam na louca Quebrantahuesos, também com muita história! Felizmente, que no início de Julho as pernas começaram a ficar mais soltas e então foi possível treinar com qualidade, principalmente em Montejunto.
A Etape du Tour é sempre uma experiência indescritível, a Meca do cicloturismo mundial, valendo todos os esforços e sacrifícios que a sua preparação implica forçosamente na vida pessoal. Este ano foram 179 km; trepar o Marie Blanque (1ª), Aubisque (Especial), Soulor e mais três contagens de montanha secundárias; e a enorme emoção de estarmos no percurso do Tour, que lá chegaria dias mais tarde.
Os primeiros 50 km eram os mais fáceis em termos de revelo, mas, para mim, nem por isso foram os mais simples. O interminável pelotão rola muito depressa (as forças ainda são muitas nesta altura) e é preciso saber colocar-se bem para ir passando de grupo em grupo, proteger-se bem do vento e ter grande atenção a todas as movimentações para evitar quedas – tudo o que o Nuno e o Miguel fazem muito melhor que eu, ao ponto de, a cerca de 10 km da primeira montanha (Col d’Ichére: 3º categoria – uma espécie de Mata com seis quilómetros), ter deixado de os seguir para evitar desgastes que poderiam ser severamente pagos mais adiante. Assim, pensei, como seria previsível, que ambos subiriam praticamente ao meu ritmo essa primeira montanha e teriam mais probabilidades de entrar num grupo mais veloz. Logo dificilmente os voltaria a ver provavelmente até final, a não ser que recuperasse bastante em alta montanha — tarefa hercúlea perante dois excelentes trepadores.
Todavia, uma paragem forçada do pelotão, numa passagem estreita, na referida subida, permitiu nos voltássemos a reunir. A partir daí, seguimos juntos até ao alto e na descida de ligação ao Col de Marie Blanque – o primeiro grande obstáculo da jornada.
Os meus dois companheiros tinham-no fresquinho na memória — pois faz parte da Quebrantahuesos — e as descrições eram pouco animadoras. Um mês antes, o Miguel pusera ali o pé no chão e o Nuno disse ter sentido dificuldades extremas para vencer os últimos 4 km da subida, a mais de 11% de média!!!
A dureza confirmou-se e foi acentuada pelo facto de a estrada ser estreita e não permitir espaço para ultrapassagem a centenas de ciclistas que se arrastavam rampa acima. A solução foi recorrer a uma expressão que os franceses tão bem interpretam como «abre alas à esquerda», passando a multidão por uma faixa de escassos centímetros junto à berma, sempre com o «credo na boca» receando ter de por o pé à estrada, que, em inclinações de mais de 12%, seria dramático ao voltar a arrancar. Por isso, o Marie Blanque foi duplamente mais difícil, mas sem essa estratégia, seria com certeza muito pior. O Nuno chegou a ficar incomodado com a minha arrogância, mas soube-lhe bem ter aproveitado a boleia. O Miguel teve mais dificuldades e perdeu algum tempo até ao cume.
Voltámos a reunir no abastecimento, antes de iniciar a descida de ligação ao Aubisque, a grande montanha da etapa (17 km a 7,3%).
Os primeiros seis quilómetros são os menos inclinados (a cerca de 5%) e fizemo-los a muito boa velocidade. Sem modéstia, cheguei a interrogar-me porque é que os outros ciclistas iam tão… devagar. O Miguel cedeu, surpreendentemente, logo no início e o Nuno agarrou-se à minha roda, acompanhando-me numa primeira metade da subida em grande estilo.
Nos últimos 7 km, os mais duros, o Nuno também se deixou descair, e eu comecei a pagar a factura nos dois kms finais – algo penosos. Com o Soulor logo a seguir, tive algumas dificuldades para retemperar forças, e ainda faltavam mais de 50 km para a meta. Seguiu-se a longíssima descida e depois foi sempre rolar em pelotão compacto até Pau. No final, após 6h45m, a fadiga era muita mas prevalecia a fantástica sensação, unânime, de superar um exigente desafio à resistência física e psicológica.
O Nuno Garcia chegou 7 minutos depois, e o Miguel… quase 35 minutos. Ainda hoje não sei o que terá acontecido para perder tanto tempo, pois não corresponde, digamos, «à realidade». Seria ainda a ressaca do Quebrantahuesos – recorde-se as palavras do ciclista espanhol nos Lagos, que a prognosticou, afirmando que quem faz o Quebrantahuesos chega «malito» à Etape du Tour —, onde, de resto, o desgaste foi mais acentuado que o normal naquela exigente prova? — que o próprio Miguel poderá descrever melhor? O próprio Nuno certamente também a pagou, mas a verdade é que se defende melhor!
Finalmente, a meio de Setembro, a Serra da Estrela, ainda mais interessante por se ter revestido de uma inédita (e saudável) competitividade, e cuja crónica já foi exaustivamente contada neste blog (ver histórico), da qual ressalvo mais uma fantástica demonstração de força do Miguel, na fase mais difícil da subida e contra o vento, mas não suficiente para nos «deixar» – a mim e ao Nuno, este sempre muito bem protegido, e depois a inexplicável (e irremediável) quebra na descida das Penhas da Saúde.
Então chegou a minha «deixa», a altura que, antecipadamente, escolhera para dar tudo… até final! O Nuno seguiu a roda, como o fizera no Aubisque, e só cedeu na recta final, feita quase ao sprint. Tempo efectuado: 1h20, com vento. Sem vento, ficaríamos certamente abaixo das 1h15. Fica para o ano! Conheçamos então a Etape du Tour 2006!

2 comentários:

Anónimo disse...

Realmente, depois de ler este último "BALANÇO" de época, compreendo melhor a diferença (já pouco perceptível...) dos "profissionais" para os outros!
São só cerca de 8.000 a 10.000 Km de estrada a menos...!
Sugiro, se me permitem, e depois de ler o pré aviso de "retirada" dos elementos em melhores condições, que deixem de aparecer, pois daqui em diante vai ser sempre a "levar no corpinho"!!!...
Se pensam que com essa conversa do descanso, final de época, etc... evitam as "esfregas" domingueiras, estão enganados...
Um "profissional" tem sempre uma imagem a defender, e esta, neste caso, só se defende com SUOR!!!
Até domingo...
FANTASMA

Anónimo disse...

Amigo Miguel, dou-te razão a etape do Tour 2006, ao contrário das anteriores esta sim é realmente mítica!

Hautes-Alpes (05)
Km 86 Col d'Izoard Alt. 2 360 m Montée de 14,2 km à 7%
Km 134 Col du Lautaret Alt. 2 058 m Montée de 12,1 km à 4,4%
Isère (38)
Km 187 L'Alpe d'Huez Alt. 1 860 m Montée de 13,9 km à 7,9%

E por isso faço desde já reserva na próxima Auto caravana com destino a Terras Gaulesas.
Para no próximo dia 10 de Julho (o mais importante feriado nacional Gaulês, o que vai contribuir significativamente para o espectáculo!), mostrar ao “trio” o que é andar de bicicleta! Marcamos então encontro para o L'Alpe D'Huez e as suas 21 curvas.


Johan Museeuw


PS: Sr. Garcia, se calhar é melhor começar desde já a sua preparação com 40km diários de corrida a pé pelo deserto. Um grande abraço!