segunda-feira, março 13, 2006

Clássica de Évora: agradável surpresa

No ano passado não participei na primeira edição da Clássica de Évora, mas através dos comentários ficara com a ideia que não teria grandes motivos de interesse. Admito que devido ao percurso ser praticamente plano, género que não aprecio particularmente, quando comparado, por exemplo, com o de Fátima, mesmo que efectuado pela EN1.
No dia seguinte à minha estreia, posso garantir que estava puramente enganado. Por todas as razões que justificavam o meu cepticismo. O traçado, que atravessa o baixo Ribatejo até ao alto Alentejo é, sem dúvida, para roladores, fortes, e a distância (140 km) não dá contemplações aos menos bem preparados. O perfil altimétrico é bastante curioso. Ao contrário do que se poderia supor, vai subindo gradualmente desde Vila Franca até Évora, com alguns picos mais acentuados a partir de Montemor-o-Novo, os últimos 30 km, tornando o final da tirada bastante mais selectivo. Além disso, a paisagem vai mudando à medida em que subimos – neste caso – para o Alentejo, diferindo bastante da que estamos habituados a contemplar na nossa região.
Depois, como diz a velha máxima ciclista, «as dificuldades ditam-se pelo andamento». E por isso foram acentuadas, não só pelo bom nível global do enorme pelotão que partiu de Loures, mas também porque a competitividade no seu seio está ao rubro. Assim, a crónica da etapa só poderia ser fértil de interesse.
Primeiro facto relevante a reter: o andamento sempre vivo desde a partida, esclarecedor sobre o cariz especial, e mais exigente, destas super-clássicas. Desta vez, ao contrário da maioria das voltas domingueiras, saiu-se a boa velocidade em direcção a Alverca, cumprindo-se, logo aí, uma média superior a 30 km/h. O mérito coube, em especial, a dois ou três elementos mais empenhados na frente do grupo, entre estes, o Casaínhos e o Freitas. Logo se viu que não era dia para relaxe. O único senão foi a passagem por Vila Franca, em que houve uma aceleração demasiado forte à cabeça que criou vários cortes no grupo – embora logo nas primeiras centenas de metros da recta do Cabo voltasse a reagrupar-se.
A ligação entre Porto Alto e Pegões fez-se em pelotão compacto, a uma média superior a 33 km/h, alcançada sem a necessidade de recurso à tradicional rendição ordenada na frente do pelotão, graças à disponibilidade para a exposição ao vento de um punhado de esforçados trabalhadores.
Factos a reter neste sector: a quebra de um raio de um «outsider» de ascendência africana que, pelos vistos, ninguém sabia a proveniência; e a avaria mecânica do veterano Victor, que agrava o rol dos seus habituais lamentos (brinco!)) e que acabou por impedi-lo de concluir a prova – mesmo que, às tantas, tenha tomado por empréstimo nova montada.
Uma vez chegados a Pegões, eis a primeira movimentação a sério do dia: o Freitas ataca logo após a rotunda, surpreendendo todos – ou quase, talvez menos o Miguel. Confesso que devido ao meu desconhecimento do percurso estava a aguardar por Vendas Novas para assistir às primeiras escaramuças da sua parte, aliás, como o próprio deixou bem explícito em comentário de antevisão à prova neste blog.
Mas o homem não esperou por mais tarde e arrancou com força, ganhando alguns metros (nunca foram mais de 100/150) ao pelotão, numa zona plana e totalmente exposta ao vento, o que facilitou a tarefa dos perseguidores. De resto, o entendimento no grosso da coluna foi exemplar e… surpreendentemente rápido. Por isso, a iniciativa foi condenada ao insucesso.
No entanto, 3 ou 4 km depois, é a vez do Miguel, seu gregário de luxo, também atacar, desta vez, em terreno mais propício, além de ter tido o mérito de deixar o pelotão perante a segunda necessidade de perseguir, num espaço de tempo curto – o que causou alguma retracção. Além disso, teve resposta pronta de Paulo Matias (estranhamente, porque acabara de se juntar ao grupo), criando evidente desestabilização no pelotão. Aproveitamento esse ensejo, o Freitas foi no encalço do duo, que passou rapidamente a trio. Agora a questão tornava-se mais séria – apesar de ainda faltarem muito quilómetros para a chegada –, obrigando a uma «caça» mais organizada e, sem dúvida, com muito maior intensidade que a iniciativa, a solo, do Freitas. Por isso, era fundamental manter o temível duo (o tal Matias não durou muito e deixou-se descair) a distância dita de segurança, o que não se avizinhava ser tarefa nada fácil. Principalmente quando avancei para a cabeça do pelotão para marcar o ritmo e me apercebi rapidamente que era preciso contar com alguém que me rendesse, sob pena de me causar um desgaste com consequências imprevisíveis. O Pina ainda prestou alguma ajuda, mas com a sucessão de pequenos topos e a necessidade de manter uma velocidade elevada resguardou-se numa segunda linha. Nessa altura, temi que a missão poderia complicar-se mais do que o previsto. Aliás, quando me recolhi um pouco no meio do pelotão constatei que havia alguns focos de contestação a um dos instigadores da fuga (o estranho Paulo Matias).
Felizmente, o Fantasma e o Vidigueira principalmente, e o «Mister» Benfica, a espaços, capacitaram-se que a partilha de esforços era a única forma eficaz e com menos desgaste de anular a escapada. Breves passagens pela frente, para manter a velocidade e ajudar-me a descansar do maior esforço imprimido dos topos, precipitaram o final da aventura dos dois co-equipers, poucos quilómetros depois de Vendas Novas.
Assim, voltava a estar tudo em aberto para o derradeiro e decisivo sector da prova, apenas com um grupo restrito de resistentes (bem ao estilo das clássicas dos profissionais) na dianteira. E na subida de Montemor jogou-se as maiores cartadas. No início, o Miguel assumiu o comando, tornando o ritmo mais rijo, momento propício para eu lançar o ataque que esperava ser decisivo. Fi-lo em força, porque a subida, curta, assim o exigia.
Como esperava, o Freitas foi o único a reagir – embora tivesse algumas dúvidas em relação ao Miguel. No interior da cidade, ainda em plena subida, já tínhamos uma vantagem de cerca de 100/150 metros, e à saída, quando começou a descida, a 25 km de Évora, deparava-se a dura tarefa de a consolidar.
Nos quilómetros seguintes, num terreno de falso plano ascendente, com várias rampas mais acentuadas, deu para perceber que o meu companheiro de fuga não estava em condições de colaborar afincadamente (não era bluff!), por isso, resolvi manter a intensidade, pois seria a única forma de aumentar as probabilidades de chegarmos isolados. Todavia, devido ao relevo suave e pouco selectivo, não teria grandes veleidades de me libertar da companhia que nos últimos tempos tem sido habitual – e com final invariável. Logramos mesmo aumentar consideravelmente a distância para os perseguidores até à chegada, a uma média de 33,5 km/h (média final muito apreciável de 32 km/h!), onde a vantagem para o primeiro grupo de perseguidores (salvo erro, Fantasma, Pina, Vidigueira e Casaínhos) se cifrou em 3 minutos. Os restantes elementos foram chegando a conta-gotas.

Notas de observador:

1. O Pina, o Fantasma e o Vidigueira: enormíssima prestação, a confirmar a ascensão de forma que têm registado nos últimos tempos, principalmente os dois primeiros quando o terreno é propício a roladores. Além de terem chegado no primeiro grupo de perseguidores, já antes tinham trabalhado com afinco na anulação das duas iniciais fugas do dia – principalmente o Fantasma, que, ao contrário do que é habitual em si, se resguardou durante a primeira metade da prova. Poderoso!

2. Nota muito elevada também para o Abel, que se mantinha no grupo da frente no início da subida de Montemor e chegou sem muito atraso a Évora. Além disso, foi excelente companhia durante o almoço, com muitas estórias sobre a sua riquíssima experiência no mundo do ciclismo. A sua saudável veterania é um exemplo a seguir pelos mais novos do nosso pelotão.

3. Outra demonstração de abnegação foi dada pelo Zé-Tó, que se lançou ao desafio de cumprir o percurso na íntegra após uma paragem para fins lúdicos de algumas semanas.

4. Esta poderia ser a anedota do dia. E conta-se assim. A poucos quilómetros de Évora, numa altura em que eu e o Freitas íamos em andamento vivíssimo, praticamente no «red line», eis que se ouve atrás de nós uma voz fresca e descansada, do Daniel: «É pá, vocês não esperam por ninguém» (a corrente da sua bicicleta tinha saltado no início da subida para Montemor, deixando-o fora de jogo logo na pior altura). Confesso que, num primeiro momento, fiquei surpreendido com a sua presença, pois amiúde certificava-me sobre o posicionamento dos perseguidores – e já não os avistava nas longas rectas que antecedem Évora. Mas garantidamente o Freitas ficou muito mais chocado, depois de tanto esforço ter feito – e estar a fazer (perdoem-me a imodéstia) – para se manter na minha roda. Pelo menos a atentar pela sua reacção espontânea – um incrédulo mas sonoro «f…da-se!). Como que a dizer: «como é que foi possível a este gajo ter chegado aqui!?» Daria tudo para ter visto a sua cara! E afinal, o bom do Daniel apenas tinha apanhado boleia do seu carro de apoio.

5. O Casaínhos. Presença assinalada e assinalável, pelo contributo que dão ao grupo a qualidade e experiência como ciclista, e também a sua forma de estar muito peculiar. Se novo repto não servir para convencê-lo a alinhar connosco com regularidade ao domingo, esperamos contar com ele na Clássica de Fátima, no próximo mês.

P.S. A Clássica de Runa, no próximo domingo, tem o seu percurso alterado. Assim, após Dois Portos, segue-se em frente em direcção ao Sobral (em subida), e depois para o Forte de Alqueidão (aguenta!), descendo para Bucelas e finalmente para Loures. Deste modo, evita-se o troço de estrada má da Feliteira/Sataparia. Motivo: a salvaguarda dos avultados investimentos em material que se tem feito nos últimos tempos.

4 comentários:

Anónimo disse...

mais uma vez gostava de prestar a minha homenagem aos bravos que se apresentaram á partida desta clássica e que a enfrentaram de espirito aberto, aproveito também para agradecer ao ricardo pela "boleia" que me proporcionou e á qual me tive que agarrar com unhas e dentes se não quizesse ficar pendurado(morrer na praia).
mas antes de tudo isto procurei animar a etapa com algumas alterações de ritmo em que fui ajudado como sempre pelo incansável "louco imprevisivel" que apesar de como se tornou demasiado evidente, diria mesmo dolorosamente evidente não se encontrar ainda nas melhores condições não se coibiu de lutar quase até ao limite para me deixar o mais isolado possivel, visto que as tentativas foram em vão restava-me esperar pelo inevitável ataque do ricardo no único sitio que poderia fazer a diferença para o resto do grupo e tentar ir com ele visto que nessa altura as forças já escassiavam.
também para mim a etapa deste ano foi mais dificil que a do ano passado, talvez porque todo o grupo subiu de forma desde então.quero acrescentar também aqui (já tive oportunidade de lhe dizer pessoalmente)que foi com muito agrado que constatei que no final do precurso apareceu com grande determinação o amigo zé-tó ,o quedemonstra grande abnegação e espirito de sacrificio.
outra palavra de apreço vai para o casaínhos que foi sem dúvida um dos grandes obreiros no seio do grupo e que contribuiu muito para a manutenção da velocidade constante.
meus amigos queria sugerir-vos que encarassem as clássicas que se avizinham com a mesma disponibilidade e espirito de sacrificio com que enfrentaram a de domingo passado.
no domingo lá nos encontraremos para mais uma"batalha".
um abraço grande
JACKIE DURÃO

Ricardo Costa disse...

Aí está a notícia mais desejada! Dorsal nº 6290 - Barreira de partida nº6.
A minha inscrição na Etape do Tour está confirmada. Dia 10 de Julho lá estarei (estaremos!) à partida de Gap para 190 km de cruzada alpina. Agora o objectivo da preparação está finalmente definido e não sofrerá mais desvios. Ainda faltam 4 longos meses de árduo trabalho, muito suor e lágrimas. Mas todo o sofrimento que se avizinha será justificado. As 21 curvas do mítico Alpe d'Huez são já ali...

Anónimo disse...

Caros amigos e companheiros de estrada, quero aqui deixar um abraço e os meus cumprimentos a todos os participantes nesta “clássica”, aos que foram a até Évora, bem como aos que a meio deram a volta ao “cavalo”.
E em particular saudar os 2 primeiros “aventureiros” da tirada, designadamente o sr. Salvador e o sr. Pacheco, os quais como pode ser comprovado na foto de “família” que funcionou como tiro de partida, já não se encontram nesta altura no seio do grupo! Assim a boa maneira da antiga-Portuguesa (onde temos vencedores de etapas da Volta a conta de peripécias destas), os nossos amigos resolveram fazer-se a estrada antes do tiro de partida!
E segundo as más línguas as despesas da “festa” foram divididas a meio, assim o Pacheco deu a ideia e o Salvador deu o corpinho ao manifesto!
A chegada a Évora o nosso amigo Pacheco teve o um “merecido prémio”! pois alguém se esqueceu de lhe transportar / fazer chegar até Évora o saco para o duche. Esta quanto a mim foi a anedota do dia!
Diga-se de passagem que qualquer história onde entre o amigo Pacheco tem grande probabilidade de transformar-se em anedota.

Um abraço a todos e continuação de boas pedaladas.

Casainhos

Anónimo disse...

Olá a todos, gostava de felicitar todos os ciclistas que no domingo último se apresentaram na BP de Loures. Pois por ser a minha primeira vez que fiz esta clássica nunca pensei que fosse tão difícil, (apesar de se um terreno que me era favorável) na partida fiz um esforço para não cair na tentação de ir para a cabeça do Plutão, porque normalmente cometo alguns excessos pagando no final a factura, mas não consegui travar esse ímpeto durante muito tempo, a partir da Ponte de Vila Franca tentei dar o meu contributo para que chegássemos a Évora com uma boa media de andamento, estando quase sempre atento a perigosos fugitivos. Apesar de algum desgaste da minha parte chegamos a Monte Mor num grupo ainda numeroso, mas a dada altura a desgraça bateu-me a porta, logo no começo da subida eis que me saltou a corrente, tendo-me ajudado de imediato o Freitas com um empurrão mas não tendo dado resultado, tive que parar ficando logo com uma grande distancia de todos os de mais. A partir desse momento sabia que não teria qualquer aspiração a disputar os lugares da frente, fazendo o resto ao meu ritmo, mas quando a saída da Vila reparo que a distancia era de cerca de 1000 metros ainda tive alguma esperança. Após alguns km percorridos e quando já tinha encortando algum terreno aos meus perseguidores, reparo que o ultimo homem ia agarrado a uma viatura, fiquei descolh..do.
Quando tive uma oportunidade acabei também por fazer o mesmo, arrependendo-me logo de imediato mas o mal já estava feito, aproveitei a oportunidade para brincar com todos os que ia passando dizendo coisas do género “… aproveita a roda … “ mas a melhor brincadeira deixei para o fim, chegando de mansinho ao pé do duo maravilha com um ar tresloucado e dizendo “ epa vosses não esperam por ninguém…” eu so gostava que tivessem visto a cara do Freitas, parecia que tinha visto um fantasma.
Ainda consegui andar com eles durante alguns topos mas acabei por descolar, e foi assim esta epopeia para o ano a mais, e venha depressa outro domingo para ver se o pessoal se esquece deste.
Ate breve

Daniel