segunda-feira, outubro 02, 2006

A-do-Louco Imprevisível

Há muito tempo que se aguardava pelo regresso do Miguel. Salvo erro, foram quatro meses de ausência das tradicionais voltas domingueiras, por motivos que, com alguma insistência, fui tentando perceber, em vão, em conversas várias com o Durão – seu parceiro de longa data e sempre muito bem informado nestas questões. Para ele, a época começou aziaga, com o acidente na Ota, depois a ausência forçada da Etapa do Tour, e tem sido complicada de gerir, com sinais de forma algo periclitante, por motivos que se calhar nem ele próprio consegue identificar com precisão. Ter sido das piores vítimas da loucura colectiva da Serra da Estrela é exemplo cabal.
Este domingo de manhã, porém, para grande surpresa e satisfação, lá estava a Specialized full carbon estacionada nas bombas de Loures. O seu regresso ao seio do grupo não foi apenas um reencontro de companheiros de estrada, revelou-se esfuziante. Verdadeiro recital, como nos seus melhores tempos – não muito longínquos. Exibição de altíssimo nível na dura subida de A-dos-Loucos, principal «hot spot» do percurso deste domingo, corolário de um «pico» de forma que culminaria, no sábado, com as três subidas da Serra da Estrela, que, no entanto, preferiu prescindir. E bem, digo eu!
Esta foi «apenas» a melhor notícia de uma clássica que reuniu todos os predicados para ser merecer o título de espectacular, «nervosa» desde o início devido a um factor de desestabilização inesperado – um elemento estreante que se revelou incrivelmente empertigado durante a primeira metade do percurso, e que acabaria, com lógica, por pagar a factura de tal desbarato de energia. Mas soube sair de cena antes de sofrer males maiores.
Além disso, o pelotão, numeroso e bem recheado, com a presença de consagrados, como o Nuno Garcia e do Carlos, entre os habitués, contribuiu para elevar o nível do grupo. O primeiro exibiu-se em bom plano no Cabeço da Rosa, lançando um forte ataque. Na aceleração que permitiu fazer a junção antes do topo levei o coração às 198 bpm… e o Durão na roda.
Antes da passagem pelo «ponto quente» do Cabeço da Rosa (em versão «soft», a partir de Vila de Rei), o Miguel começou por mostrar serviço na subida da Freixeira, levando apenas o Durão na roda (tiques que não passam!). O tempo inferior a 4 minutos (3.55) indica que o ritmo foi forte. Todavia, as principais figuras controlaram à distância.
A ligação entre a Venda do Pinheiro (agora com o ZT, o Samuel e o Abel já integrados) Milharado, Póvoa da Galega e Bucelas foi tudo menos um passeio, havendo muita chispa, mas sem beliscar a moderação que se recomenda antes das grandes dificuldades.
A história no Cabeço da Rosa já foi descrita, e num ápice estávamos em Alhandra, prestes a enfrentar a subida de A-dos-Loucos – que se revelou fantástica.
Começou pela imprevisibilidade do Miguel (lá está!) ao «negociar» os 400 metros iniciais (a mais de 5%) em pedaleira grande, abrindo, naturalmente, uma distância considerável antes de se entrar na fase mais dura da subida (1 km a 9%, com passagens a 12%). Jogada arriscada, mas que se revelou acertada, pois, rapidamente, deu a perceber que não foi fogo de palha. Já a lidar com as fortes percentagens, passou a gerir o seu avanço face à perseguição que lhe movia, e cujo esforço foi demasiado elevado para o Durão, fazendo-o sucumbir, precisamente na altura em que absorvíamos o fugitivo.
Mas o melhor estava para vir. Ao passar pelo Miguel, este nem esboçou reacção. Estaria a aguardar pelo Durão ou também já estava «descarregado?», questionei-me. A resposta chegou pouco depois, quando o vi passar pela direita, obrigando-me a uma resposta difícil, que me colocou no «red line». O km demolidor estava ultrapassado e confirmava-se que a «coisa» seria discutida a dois. O Durão dificilmente reentraria e o Nuno e o Carlos estavam ainda mais para trás, mas chegaram praticamente em cima do Durão. Muito boa subida também!
Depois de um ligeiro descanso, a passagem pelo empedrado no interior da localidade trouxe mais dificuldades. Seria aqui que se faria mais uma avaliação de forças. Ele, desconhecendo o local, desviou-se do caminho correcto, perante a terrível rampa duríssima em paralelo à nossa frente. Seria sintoma (subconsciente) de fraqueza? Puro engano! Os próximos metros foram de mais esforço para manter ali e demonstraram que, até final, o meu «parceiro» era inatacável. No topo, rendemo-nos mútua homenagem. Bem haja, louco imprevisível, que subida dos diabos! A repetir!
Na última parte do percurso, destaque para a descida de A-dos-Melros a grande velocidade, com empolgantes revezamentos, fechando com chave de ouro uma jornada de altíssimo nível.

Notas de observador

A escaldante subida de A-dos-Loucos foi feita em tempo recorde pessoal. Os 2,8 km (6,3% de inclinação média) em 8m50s pulverizaram o meu anterior registo em 57 segundos! Mais: 19 km/h de média e 183 bpm (ritmo cardíaco revelador que a forma já lá vai e que 2 quilinhos já cá cantam!) E como estão em voga os estudos e artigos de opinião sobre as performances dos ciclistas internacionais (a revista francesa «Velo» tem multiplicado os análises sobre a prestação de Floyd Landis no Tour e de Vinokourov/Valverde na Vuelta), decidi, com o recurso a um programa informático, determinar a potência em Watt desenvolvida por mim e o Miguel em A-dos-Loucos. A saber: no meu caso, fiz média de 342 W, que corresponde a 4,7 W/kg (para 72,5 kg) e o Miguel 295 W, equivalente a 4,9 W/kg (para 60 kg, suponho).
Resta dizer que os melhores do Mundo fazem cerca de 1W/kg mais (mais 70 W em média!), em subidas com o triplo da distância e com o triplo dos km nas pernas. Mesmo assim estamos longe de envergonhar!

Na próxima quinta-feira, feriado, a volta que está prevista promete muito, incluindo alguns troços e uma subida inéditos. A partir de Loures, dirigimo-nos a Frielas, cruzamento de Unhos, Unhos e Sacavém. Depois Alverca, Vila Franca e Alenquer (sempre a rolar durante 50 km). Depois de os roladores se terem saciado, chega a vez dos trepadores: a partir de Alenquer está a 1ª subida, principal «hot spot» do dia (inédita com 4,2 km a 5,5%, e algumas passagens duras, a 15 e 16%. Todavia, não é caso para temores, pois a pendente é irregular, contemplando alguns planos e mesmo descidas. O «miolo»: 1,5 km a partir do km 1,7 tem 6% de média). A ascensão é muito interessante, iniciando-se no cruzamento (à esquerda) à entrada de Alenquer (logo a seguir às bombas) em direcção à zona alta da vila e depois sobe em direcção a Santana da Carnota. O «Prémio da Montanha» está a cerca de 4,5 km (descida suave) do centro da Carnota. Aqui inicia-se a 2ª subida (3 km 3,5%), já conhecida da Clássica da Carnota, até aos eucaliptos, e depois o planalto para Freiria. Então vira-se à esquerda em direcção ao Sobral e daqui para o Forte de Alqueidão, descendo-se depois para Bucelas. Total: 95 km.
Provavelmente, amanhã, se não chover, poderei descrever mais pormenorizadamente a subida de Alenquer.

1 comentário:

Ricardo Costa disse...

Conforme prometido, eis a descrição pormenorizada da subida inédita de Alenquer, que está incluida na volta da próxima quinta-feira, feriado de 5 de Outubro.
Assim, o início da subida faz-se através da entrada sul de Alenquer (proveniente do Carregado) pelo cruzamento para a Vila Alta, meio dissimulado, à esquerda, cerca de 50 metros depois da bomba de gasolina da Galp (que, no entanto, já não existe).
A entrada é suave, em estrada larga e bem asfaltada, dirigindo-se à Vila Alta, a zona mais antiga de Alenquer. Atenção: aos 500 m há um cruzamento de 4 estradas – o sentido é: em frente, para cima! Esta primeira secção da subida tem 1,450 km a 3,3% de inclinação média – doce, como se vê!
A parte final deste troço já é feito entre as casas e termina numa curva fechada à esquerda, muitíssimo estreita, com piso empedrado – à primeira vista nada levar a crer que o caminho seja por aí, tanto mais que se depara diante de nós uma rampa duríssima, cujos primeiros 50 metros são em pavé. Atenção, que logo a seguir vira-se à direita, para o asfalto, ainda em elevada pendente (+ 15%), no sentido das placas (pequenas) da Capela de S. Francisco (salvo erro). São 300 metros a uma média de 10%. Duros!
Ultrapassada a fase mais «áspera» da subida (aliás como o asfalto daqui em diante, que constitui dificuldade adicional), segue-se um ligeiro descanso de 300 m a 3,6%, após o que se entra no chamado «miolo» da subida: 1,1 km a 7%. Aqui, sem dúvida, ainda ter as pernas «boas» fará toda a diferença.
Após esta secção, a inclinação torna-se definitivamente mais suave, e há mesmo novo falso plano (250 metros a 2,5%) que permite acelerar a cadência de pedalada e controlar melhor a pulsação, para ganhar fôlego para a derradeira fase da subida (1,230 m a 4%). Havendo «tempo», não se deve perder a oportunidade de contemplar a magnífica paisagem sobre o vale de Alenquer, e se o céu estiver limpo, a Serra de Montejunto, ao fundo. No total são 4,8 km a cerca de 5%.
Conclusão: o Google Earth «pinta» um cenário mais negro do que é na realidade. A subida não é fácil, mas também assusta. E é muitíssimo interessante. A extensão e nível de dificuldade aproximam-se à Mata (embora o segundo seja inferior), com o «pior» localizado entre os 1,5 km e os 3 km, num troço que começa na rampa do empedrado - em que é importante ter noção do que se vai encontrar, o que não é fácil, pois o caminho está completamente escondido (uma viragem fechada à esquerda) e é muito atípico. Ou seja, destoa da primeira parte da subida, em estrada larga e lisa. A outra parte mais complicada é o «tal» km a 7%.
Finalmente, importa referir ainda que a subida surge quando já estiverem 50 km percorridos, que, embora sendo planos, são sempre factor de fadiga. E esta será só a primeira (de facto, a maior) dificuldade da volta, já que 5 km volvidos estaremos a subir Santana da Carnota. Pois, a coisa promete!