terça-feira, agosto 04, 2009

Crónica das Cachoeiras

«Estás a ver, a malta correspondeu ao teu desafio!», a afirmação pertence ao senhor Zé (pai do Zé-Tó), ao cumprimentar-me de manhã cedo, antes da partida de Loures, e abriu o cenário para a volta de domingo transacto, cobrindo-a imprevisto de carácter especial.
Porquê? Porque contou com forte adesão, em particular de elementos que, nos últimos tempos, marcaram posição divergente do restante grupo, ao antecipar as saídas para as voltas. Lá estavam, entre eles, o próprio Zé – que, sem dúvida, por ser o elemento mais «exposto» à intensidade do andamento, marcava a posição do pequeno grupo que tem andado desalinhado. Foi, sem querer, uma espécie de porta-voz. Mesmo sem ser, soou a uma espécie de última oportunidade... e os primeiros quilómetros do percurso provaram-no!
Logo que o terreno inclinou, entre Frielas e Unhos, fizeram-se ouvir vozes de contestação. Não sei porquê, talvez pelas palavras que me foram dirigidas pelo sexagenário ainda antes da tirada, senti que devia serenar os ânimos e tentar assumir (algum) controlo do pelotão. Tarefa ingrata, por ser enorme e muito bem recheado. No entanto, a entrada na planura da EN10 e o vento forte frontal foram preciosos aliados, desencorajando a andamentos fortes e a iniciativas potencialmente desestabilizadoras. Passaram pela frente na longa ligação de Sacavém a Vila Franca, além de mim, o Zé Henriques, o Evaristo, o Duarte, o Jony, entre outros.
A partir de Vila Franca - que se passou sem «apertos» no empedrado, porque mais dele estava reservado para a subida final - o Freitas tomou a liderança mesmo com o vento a soprar cada vez mais de cara, levando o grupo a bom ritmo (mas ao alcance de todos...) à saída de Alenquer.
Entre Alenquer e Olhalvo, o pelotão rolou sempre compacto e aparentemente tranquilo, embora fosse indisfarçável que, ao acumularem-se os quilómetros, aumentasse a ansiedade no seu seio: havia quem «desesperasse» por mudanças de ritmo, por picardias; e outros que rezavam para dentro para que a toada se mantivesse pacífica. Mas todos anteviam que a paz não seria eterna!
Assim, para estes, como não há bem que sempre dure, a entrada no troço Labrugeira-Abrigada trouxe as primeiras hostilidades. O Hélder (estreia esta época) deu o mote e o André foi no seu encalço. Juntou-se ainda um terceiro elemento, e depois houve a contra-ofensiva do Duarte e do Jony, e com estes outros mais, quebrando definitivamente a unidade do pelotão. O andamento era forte e o terreno desnivelado implicava grande empenho para não perder a dianteira, onde se juntaram cerca de meia dúzia de ciclistas: entre os que referi, também o Paulo Pais, o Ruben, Zé-Tó e mais um ou outro que começava a descair. Entre eles, o Steven, que ultrapassei no meu esforço, em solitário, para chegar ao grupo. No final da subida da Labrugeira, consegui-o, pouco antes de se passar a uma fase de relaxe. Tempo para respirar... O pelotão estava dividido, quiçá irremediavelmente, e ainda faltava tanto!
Até à Abrigada ainda se ensaiaram alguns ataques entre os homens da frente, mas todos fugazes. E com a moderação que se fez os primeiros quilómetros na EN1, em direcção à Ota, anteviu-se a reunião do grande grupo para breve. Foi uma questão de minutos para se concretizar tão fácil previsão. Não posso confirmar, mas deverá ter sido o Freitas a trabalhar mais no grupo de trás.
O pelotão rolou, então, compacto até ao Carregado, onde o Salvador se destacou para, eventualmente, entrar com vantagem na subida de Cacheiras. Foi o que aconteceu, com a devida autorização do grupo, onde, curiosamente, não imperava nervosismo pela iminência de novas agruras ou sequer contestação pelos despiques passados. Sobrepunha-se, nessa altura, a noção do dever cumprido, ao marcar presença, após tantos quilómetros, na frente da coluna, entre os ditos «poderosos». Agora, o que viesse (e não era pouco) era para passar com mais ou menos dificuldades, mais ou menos depressa. O mais árduo da missão estava cumprido, mesmo faltando o maior obstáculo da tirada: as Cachoeiras.
Na frente do pelotão, o Freitas diz-me: «Avisa-me quando a subida iniciar, que vou meter um andamento que isto vai tudo de pantanas...». Acedi, mas fiquei surpreendido porque pensava que ele iria forçar à frente e não sair de esticão, como fez. E fez bem, ganhando cerca de 50 metros rapidamente, logo quando a inclinação aumentou. Mexeram-se as principais «pedras» no pelotão, com o André a assumir-se brevemente. Mas como viu que, à frente, o fugitivo tinha parado, voltou à retranca. Então decidi meter o passo. Deixaram-me impô-lo apenas até passar pelo Freitas, momento em que o André lança o seu primeiro ataque. Teve resposta pronta do Duarte. A reacção foi colectiva e fez isolar um pequeno grupo, que se manteve até final: além daqueles dois, Paulo Pais, Hélder, Ruben, Jony e eu.
Mas este não se manteve unido muito mais tempo: a entrada na aldeia coincide com o primeiro sector de pavé e com as primeiras diferenças: para mim foi um choque demasiado brutal. O Jony deverá ter sentido o mesmo, porque vinha em intensa recuperação. Ficámos ligeiramente descaídos. O Salvador era alcançado e perdia o comboio. Eu e o Jony, juntámos esforços e assim recolocámo-nos a pouca distância do quarteto (PP, Ruben, Hélder e Duarte) que perseguia o André, este a partir definitivamente isolado. A última rampa foi-nos favorável, guiámo-nos mutuamente e tirámos mais de metade da desvantagem, chegando ao alto a pouco mais de 10 metros do grupo, que aí passou a quinteto ao juntar-se ao André (que aguardava).
A nossa integração também parecia consumada, mas pouco antes de tal vir a acontecer, à frente houve nova aceleração, agora sob o comando do Ruben (excelente) e do próprio André (quem diria!). O Jony lançou-se em desenfreada perseguição, levando-me à custo na sua roda, sempre controlando bem para não me deixar... Agradeço-lhe. Rolou-se sempre acima dos 35 por hora até ao Mirador da Bela Vista, onde, só aí, conseguimos encostar ao grupo. Descemos depois tranquilamente.
Grande cavalgada nesta subida de todos os que participaram na volta, chegando a conta-gotas ao seu cume, no alto do Agruela (antes de descer A-dos-Loucos para Alhandra), e assim culminando de êxito uma jornada em que, de certo modo, parece ter promovido a aproximação de «interesses» e de «posições» que tanto têm dividido o nosso grupo. Os próximos tempos julgá-lo-ão...

Nota: aquele exercício de revezamento, no final, entre Alhandra e os Caniços, que nos fez recuperar para o grupo que seguia à frente, foi excelente, malta! Parabéns a todos os que nele se empenharam.

No próximo domingo, a volta não se prevê menos interessante que esta! Amanhã será aqui apresentada ao detalhe.