quarta-feira, maio 02, 2007

Fátima: êxito total!

A edição de 2007 da Super-Clássica de Fátima foi um enormíssimo êxito! O reconhecimento dos 17 ciclistas que cumpriram os 130 km de Loures à cidade «Santa» de Portugal revelou-se unânime: provavelmente a melhor de todos os tempos e sem dúvida a mais animada e bem disputada de sempre!
Entusiasmo e empenho são os classificativos que melhor definem o ambiente e a atitude do pelotão durante a tirada, nem por um único momento beliscados pela atmosfera de competitividade sem precedentes. Pelo contrário, terá sido importante factor de estímulo e garantidamente de responsabilidade adicional. Em suma: desempenho sem mácula, com contributo de todos em prol do colectivo, livre de restrições ou subterfúgios, e com entrega dedicada ao esforço que exige o ciclismo praticado por aficionados. Quando é assim, melhor é impossível...

A história

Após vinte e poucos quilómetros sem história, a primeira nota relevante foi a chegada a Vila Franca. O pelotão rolava compacto e com ritmo moderado, ligeiramente acima dos 30 km/h, quando é abalroado por um grupo estranho ao serviço, que participava no Lisboa-Alcanena (prova por equipas que se disputou também no domingo). Episódios destes, claro, trazem sempre desestabilização. Para mais, quando o Salvador, ao seu estilo, não se fez rogado a meter-se entre seara alheia. Os restantes ainda vacilaram com a ousadia, mas (felizmente) não perderam a compostura. Assim, o nosso homem seguiu à boleia e ganhou significativo avanço – que durou até ao Carregado, onde os trajectos (para Fátima e Alcanena) se separavam. A sua vantagem nunca foi significativa e uma vez sozinho optou (e bem) por abdicar, sendo reabsorvido no topo da variante de Alenquer.
A partir daí, entrou-se na longa fase de sobe e desde entre a Ota e o Alto da Serra, já depois de Rio Maior. Na passagem pelos topos da Espinheira, o Paulo Pais fez a sua primeira aparição à frente do pelotão e, tanto aí, endurecendo o ritmo, como na ligação à rotunda de Alcoentre, onde meteu o comboio a 50 km/h durante quase 1 km, aconteceram os primeiros momentos de maior intensidade do dia. O grupo agarrou-se sem vacilar e progrediu compacto até à subida do Alto da Serra (2 km), a próxima dificuldade.

A fuga

Tal como em 2006, impus o meu andamento desde a base da subida e ganhei facilmente vantagem sobre o pelotão (que aparentemente consentiu-a). Durante algum tempo tive a companhia do Henrique (poderoso rolador do Bicigal Team, que se fez representar por três elementos, entre eles o infalível Abel, que tinha a espinhosa missão de ajudar o patrão que, para mais, se apresentou sem treinar!), mas antes do final da subida já era o Salvador o único que me acompanhava.
Uma vez na frente, ligeiramente destacados do pelotão, impunha-se decidirmos rapidamente o que fazer: insistir na fuga e tentar ampliá-la, ou renunciar. Quando a decisão se inclinava mais para a renúncia, eis que, a nós, se junta o Fantasma, baralhando as contas. Formado o trio, tratei de me inteirar, repetidas vezes, do posicionamento e intenções do pelotão – que parecia estar na surpreendente disposição de «me» permitir (alguma) liberdade. Estranhei a passividade, à luz do conhecimento dos hábitos do grupo, e pressupus que seria a liderança mais experiente do Paulo Pais a refrear os ímpetos, controlando-nos à distância. Ainda assim, nunca fiz grande fé na fuga, pelo que os meus companheiros não me devem penalizar mas agradecer, apesar do Fantasma (mais que o Salvador) ter dado a entender que estaria disposto a levá-la por diante.
Porém, o pelotão ajudou a resolver o impasse, anulando a fuga pouco depois, através de uma reacção a choque, que, inclusive, provocou alguma convulsão interna. Digo que o pelotão foi «amigo», porque reconheçamos que, a mantermo-nos em fuga, mesmo sem a consolidar e muito menos chegar a ter condições para vingar, forçaria a um esforço adicional da nossa parte, que certamente se pagaria mais tarde. Neste caso, os decisores no pelotão terão pecado por menor clarividência.
Assim, desfeita a breve separação, o longo planalto da Estrada Nacional 1 até cerca de 5 km da Batalha não deu em nada – a não ser um furo do Fantasma, que forçou a refrear o andamento durante alguns quilómetros.

O inesperado

Chegava, então, a hora da verdade. A história começa com uma situação inesperada: quando o pelotão se deixava rolar para a Batalha, o Salvador acelerou ligeiramente, ganhando rapidamente vantagem perante total permissividade – aliás, pareceu encorajado pelo Freitas, o que, por instantes, fez-me desconfiar. O Henrique foi o único a manifestar incredibilidade, questionando o próprio Freitas sobre a situação, mas este mostrou-lhe rapidamente o... caminho.
Todavia, quem se pôs nele (ao caminho, entenda-se) foi o Fantasma, cuja «concorrência» estava a ganhar vantagem e urgia impedi-la de entrar à sua frente na subida final. A protecção da carrinha de apoio da Bicigal ajudou aos seus intentos e a formar novo duo na frente.
A reacção do Fantasma suscitou outra com a igual pretensão (agora, de não o deixar fugir), mas muito menos previsível: a do Carlos do Barro. Primeiro, ensaiando manobra clara que demover o pelotão da letargia, mas, face ao insucesso, lançando-se na peugada do duo que (sabe-se lá porquê?) considerou fazer perigar as suas aspirações.
Mas nem assim o pelotão se mexeu e, deste modo, permitiu a um dos melhores trepadores do grupo ganhar vantagem importante, de forma casual, e com consequências mal calculadas. Os galos, já com a cabeça na briga da subida, nem sequer se aperceberam do risco que terão corrido – como mais tarde se confirmou.

A subida

Finalmente, a subida. Salvador e Fantasma abordam-na com 150/200 metros de vantagem sobre o Carlos, e este com a mesma distância para o pelotão, que rapidamente passou a grupo restrito na abordagem das primeiras rampas.
Para mim, a mesma receita do ano anterior: atacar desde o início. A primeira parte da subida para fazer a selecção e a segunda para lançar a cartada final. A selecção fez-se, sem surpresas, com Freitas, Paulo Pais, Jony e o Rui Scott a integrarem o lote.
Sempre com os fugitivos à vista, não tardámos a observar que o Carlos passava, directo, pelo duo Salvador/Fantasma, e que este, também pouco demorou a ser ultrapassado pelo grupo principal. Até ao final da primeira subida (2,5 km a 4,5%), mantive-me à frente e no ritmo escolhido, «picando» para a curta descida já a afiar o gume para a parte mais difícil da ascensão (2,3 km, a 6,5 km).
Na abordagem, o Paulo toma a iniciativa, dando mostras de querer impor (e de se expor a) forte desgaste. Com isso, em apenas 200 metros fechou-se os 50 de avanço do Carlos no início desta derradeira subida. No entanto, o Paulo começou a «mastigar» e desde logo deixou de ser ritmo que me interessava, rendo-o imediatamente no comando, agora ainda mais em força e sem baixar até ao topo.
Todavia, a média de 20 km/h durante 2,3 km a 6,5% de inclinação não chegou para me livrar da concorrência – excepção ao Jony, que cedeu pouco depois do início do meu segundo turno. O Carlos também cedeu alguns metros, mas veio a recuperar muito bem após a subida, reintegrando-se no quarteto, que assim passou a quinteto. E mais tarde, com novo fôlego, não se coibiu de tentar surpreender, obrigando a reacção do grupo.

Os «ses»

Abre-se assim ponto de discussão: que teria acontecido se tivesse acreditado mais na sua inesperada vantagem?! Será que conseguiria passar a subida ainda à frente? E se assim fosse, aguentaria a liderança até final? Não seria fácil, mas longe de ser impossível. Não passam de «ses». E o mais importante foi ter-se revelado finalmente (!!!) entre as «trutas», cotando-se, por isso, como um dos principais heróis do dia.
Para o pelotão ficam dissipadas as dúvidas: não pode repetir a oferta. Quanto ao próprio, não pode deixar de confirmar o estatuto adquirido (ou então para que servirá tanto suor derramado no asfalto durante a semana?) e dar continuidade a mais esta bela exibição, a fazer recordar a façanha de Montejunto (2006) e a esquecer definitivamente o fracasso de Évora (2007)

O final

Voltando à história da tirada, uma vez ultrapassado o terreno mais selectivo sem fazer a diferença, esfumavam-se praticamente as minhas ambições. De qualquer modo, enquanto restassem forças havia que não desistir. Oportunidades muito poucas, e ainda restaram menos quando no único falso plano ascendente que poderia servir aos meus intentos, o Paulo meteu um passo que não me permitiu mudar de velocidade. Tentei uma última vez, já sobre o viaduto da auto-estrada (a menos de 500 metros do final), numa manobra que acabou por definir o ordenamento final.
O Rui, muito oportuno e calculista, aproveitou a minha aceleração e saltou para a frente, levando na sua roda o Freitas, também não menos calculista desde a Batalha. Ambos abriram ligeira vantagem (30 metros) que mantiveram até ao final. Entre eles, porém, foi empate técnico!
O Freitas confirmou ser «outro» ciclista em 2007. No ano passado ficou quase no início da segunda subida (praticamente onde agora o Jony ficou), mas apesar dos enormíssimos progressos, em resultado de uma preparação conduzida para objectivos tão ambiciosos como a Etapa do Tour, ainda lhe falta «um bocadinho assim» para ter capacidade de ser ele a impor a pressão em terreno selectivo – aliás, que nem sequer era o caso deste final para Fátima, adequando-se muito mais a ciclistas fortes e explosivos.
Como sabe disso, a sua ambição é proporcional à subida de forma, sendo peremptório ao admitir que não ficará satisfeito enquanto não atingir patamares superiores. Diga-se que é uma pretensão inteiramente legítima, já que tem todas as condições físicas e anímicas para alcançá-la.
Por seu turno, o Rui Scott confirmou os seus créditos de «outsider», protegendo-se na subida e terminando com estocada na hora certa. Curiosamente, ele e o Freitas foram os únicos do quinteto principal que não passaram pela frente desde a Batalha, confirmando que o ciclismo é um desporto... completo!

Êxito colectivo

O Carlos e o Paulo Pais chegaram poucos de segundos depois mim, mas pelo Jony esperou-se alguns minutos. Seguiu-se o Polícia, rubricando também excelente subida após ultrapassar o duo Salvador/Fantasma, que não se desfez até final beneficiando de preciosa ajuda do Zé «Roubaix», outro autor de prestação muito elogiada. Os demais concluíram a tirada com enorme galhardia. A saber: João, o trio Bicigal (Abel, Henrique e respectivo Patrão), Steven, Carlos da Piedade e o Evaristo.

Fátima 2007 deixa saudades!

1 comentário:

lisa disse...

Muito bem, todos os ciclistas estão de parabéns, pois concluíram este passeio com êxito.
Mas deixo um parabéns muito especial ao Rui Scott (ele entenderá).

:-)